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Sócrates: elogio à filosofia

Filho de Sofronisco e de Fenarete, Sócrates nasceu em Atenas no final de 470 ou no início de 469 a.C. e morreu, condenado pelo tribunal ateniense a tomar cicuta, em 399 a.C., com a idade de 70 anos. Os relatos dizem que Sócrates dedicou-se à filosofia depois de haver ido ao templo de Apolo Delfo e Ter ouvido uma voz interior (que ele chamava de daímon, espécie de espírito bom ligado a alguém e que personifica o caráter da pessoa e seu destino) que o fez compreender que o oráculo inscrito na porta do templo – “Conhece-te a ti mesmo” – era a sua missão. Por ela,  abandonou toda atividade prática e viveu pobremente com sua mulher Xantipa e seus filhos. Foi descrito por todos os que o conheceram como alguém dedicado ao conhecimento de si e que provocava nos outros perguntas sobre si próprios, conversando na praça do mercado, nas reuniões de amigos e nas ruas com quem aparecesse e se interessasse em respeitar o oráculo de Apolo Delfo, isto é, conhecer-se a si mesmo.

“Conhece-te a ti mesmo” e “Sei que nada sei” são as duas expressões que ninguém no pensamento ocidental jamais duvidou que fossem de Sócrates. Com elas, o homem, a ética e o conhecimento surgem como as questões centrais da filosofia. E, desde Aristóteles, também, ninguém contesta que a pergunta socrática por excelência seja: “o que é...?”. Indo consultar o oráculo de Delfos, Sócrates ouve a voz (interior) do daímon, que  lhe transmite a mensagem de Apolo: “Sócrates é o homem mais sábio entre os homens”. Espantado, Sócrates procura os homens que julgava sábios (políticos e poetas, cuja função é ensinar e guiar os outros), consulta-os para que lhe digam o que é a sabedoria. Descobre, porém, que a sabedoria deles era nula. Compreende, então, o que o daímon lhe diz: “Agora já sabes por que és o mais sábio de todos os homens”. Sócrates compreende, enfim, que nenhum homem sabe verdadeiramente nada, mas o sábio é aquele que conhece isto. O início da sabedoria é, pois, “sei que nada sei”. Se assim é, a inscrição no pórtico do templo de Apolo – “Conhece-te a ti mesmo” – significa que o conhecimento não é um estado (o estado de sabedoria), mas um processo, uma busca, uma procura da verdade. Eis o motivo que leva Sócrates a praticar a filosofia como missão: a busca incessante da sabedoria e da verdade e o reconhecimento incessante de que, a cada conhecimento obtido, uma nova ignorância se abre diante de nós. Isto não significa que a verdade não exista, e sim que deve ser sempre procurada e que sempre será maior do que nós.

 Sob este aspecto, torna-se clara a diferença entre Sócrates e os sofistas e por que eles os critica. O sofista é um professor de técnicas, de política, de virtude e de sabedoria, portanto alguém que julga possuir conhecimento e ser capaz de transmiti-los. Eis por que as relações dos sofistas eram aulas onde alguma coisa era ensinada, um conteúdo era transmitido já acabado, pronto. As preleções eram solilóquios ou monólogos, isto é, apenas o sofista falava enquanto os outros o escutavam. Além disso, os sofistas eram céticos. Para eles, tudo é por convenção e tudo é opinião; tudo é tal como nos aparece e tal como nos parece; o sim e o não dependem apenas dos argumentos para persuadir alguém a manter ou mudar de opinião. Em outras palavras, não há por que buscar a verdade, pois esta não existe.

Diferentemente dos sofistas, Sócrates não se apresenta como professor. Pergunta, não responde. Indaga, não ensina. Não faz preleções, mas introduz o diálogo como forma da busca da verdade. Esta foi a razão de não haver escrito coisa alguma. Dizia que a escrita é muda e que sua mudez cristaliza idéias como verdades acabadas e indiscutíveis. Sócrates mantém a separação entre opinião e verdade, entre aparência e realidade, entre percepção sensorial e pensamento. Por isso, sua busca visa a alcançar algo muito preciso: passar da multiplicidade de opiniões contrárias, da multiplicidade de aparências opostas, da multiplicidade de percepções divergentes à unidade do conceito ou da idéia (que é a definição universal e necessária da coisa procurada). Ao exigir de si mesmo o conhecimento de si, exigia dos outros que conhecessem a si mesmos, motivo pelo qual a primeira tarefa do diálogo socrático é fazer com que cada um descubra sozinho que aquilo que julgava ser a idéia da coisa (o saber que julgava possuir), era uma imagem dela, que aquilo que julgava ser o conceito da coisa, era apenas uma opinião sobre ela, e que aquilo que julgava ser a verdade eram somente preconceitos sedimentados pelo costume. Com Sócrates, a filosofia começa a falar em método e ciência. O método socrático, exercitado sob a forma do diálogo, consta de duas partes. Na primeira, chamada de protréptico, isto é, exortação, Sócrates, convida o interlocutor a filosofar, a buscar a verdade; na Segunda, chamada élenkhos, isto é, indagação, Sócrates, fazendo perguntas comentando as respostas e voltando a perguntar, caminha com o interlocutor para encontrar a definição da coisa procurada. O élenkhos é dividido por Sócrates em duas partes e são essas que, comumente, vemos chamadas de métodos socráticos. Na primeira parte, feita a pergunta, Sócrates comenta as várias respostas que a elas são dadas, mostrando que são sempre preconceitos recebidos, imagens sensoriais percebidas  ou opiniões subjetivas e não a definição buscada. Esta primeira parte chama-se ironia (eiróneia), isto é, refutação, com a finalidade de quebrar a solidez aparente dos preconceitos. Na Segunda parte, Sócrates, ao perguntar, vai sugerindo caminhos ao interlocutor até que este chegue à definição procurada. Esta Segunda parte chama-se maiêutica, isto é, a arte de realizar um parto; no caso, parto de uma idéia verdadeira.

Num século de grande e exuberante produção literária, Sócrates é uma estranha exceção: não escreveu. E a ausência de obras e de escritos o transforma num enigma e num problema que vem desafiando a história da filosofia, pois, afinal, quem e o que pensou o “pai da filosofia”?

Paulo Leandro Maia

Mestrando em Filosofia – PUC/SP

Bibliografia.

BROCHARD, VICTOR: L’Ouvre de Socrate, Trad. Paul Ricoeur, Éditions du Seuil, Paris, 1956.

BRUN, JEAN: Sócrate, Presses Universitaires de France, Paris, 1960.

ZELLER, EDUARD: Sócrates y los Sofistas, trad. J. Rovita Armengol, Editorial Nova, Buenos Aires, 1955.

SÓCRATES. Coleção Os Pensadores, Nova Cultural, 1999. São Paulo.

CHAÜI, Marilena. Introdução à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles, vol 1. Editora Brasiliense. São Paulo, 1994.

GIORDANI, Mário Curtis. História da Grécia Antiga. Editora Vozes. Petrópolis, 1984.

 

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