Coluna do Leitor
A Combinação de Rupturas e Continuísmos na História da Ciência
O presente artigo versa acerca de duas posições interpretativas distintas no âmbito da história da ciência. A primeira refere-se a uma linha de pensamento defendida por Pierre Duhem, Crombie, entre outros, de que a ciência moderna não é resultado de uma ruptura ou da revolução de certos princípios científicos característicos desta época, mas, ao contrário, uma continuidade dos trabalhos desenvolvidos por pensadores de períodos passados, como por exemplo, a Idade Média.
Por outro lado, apresenta-se Thomas Kuhn como expoente da concepção de que na idade Moderna se consolida a criação de novos paradigmas na física moderna, necessários para que se forneçam explicações devidas aos fenômenos naturais em questão.
Entretanto, não deverei explorar os conceitos complexos delineados por Kuhn em seu A Estrutura das Revoluções Científicas, mas propor o fato de que dentro da história da ciência, sempre houve uma combinação de continuísmos e de rupturas radicais.
Vale, deste modo afirmar, a existência de paradigmas estáveis e instáveis nos modelos científicos apresentados em inúmeros períodos históricos, ao mesmo tempo em que tais arquétipos convivem com alguns elementos que denotam um determinado continuísmo. Tomemos como paradigma instável, o caso da explicação da visão na antiguidade.
Houve várias teorias que propuseram a transferência simultânea de raios dos objetos para os olhos e vice-versa. Ora, nenhum dos princípios intramissionistas e extramissionistas satisfizeram rigorosamente uma explanação plausível sobre os mecanismos ocultos do processo visual, e por tal motivo, a ausência de um modelo único para a visão, tornou inviável o fato de que houvesse algum tipo de superposição de um modelo em relação ao outro. Ao entrarmos, porém, nos séculos XVI e XVII, a dificuldade de se ter claramente definida uma posição de como as cores eram produzidas, foi empecilho para que um modelo prevalecesse.
Newton e os cartesianos, como Hooke e Huygens, passam a se digladiar no cenário científico moderno, pois, cada grupo possuía uma versão quase que infalível para dar conta de qualquer tipo de explicação que envolvesse a luz ou o espectro colorido que se nos apresentava nos arcos-íris. Contudo, se não há um paradigma universal para o fenômeno das cores, as propostas de Newton de que as cores são agregados heterogêneos, ou já estão inseridas previamente na luz branca monocromática, revelam que esta conclusão carece de uma explicação científica cabal. Em outras palavras, Newton apenas forneceu o que os medievais chamam de quia, ou a mera descrição do fenômeno, desprovida de alguma explicação, propter quid. A preocupação do filósofo medieval Robert Grosseteste é tão pertinente na modernidade quanto na Idade Média.
Um outro ponto a ser considerado na história da ótica, dentro da idéia de continuísmo na ciência, é quando o próprio Newton se depara com o formato oblongo do espectro colorido, após realizar uma série de experiências com prismas triangulares. Pelas leis da refração, seria possível encontrar uma forma geométrica circular. Por que então a oval surgiu? Newton se dispõe a formular hipóteses, ou como ele mesmo diz, suspeitas, para ter claramente a causa daquela aberração espectral. As sucessivas suposições e os descartes feitos por Newton, nos permite afirmar que durante a Idade Média os procedimentos padrões estavam voltados no sentido de que todo o problema científico seguia um procedimento de serem criadas hipóteses e pelo processo da verificação empírica, desconsiderava-se um sem número de suspeitas. O século XII, Teodorico de Freiburgo defendia a concepção de que este é o método mais eficiente para se investigar os fenômenos naturais.
As rupturas radicais, por outro lado, aconteceram principalmente no momento em que Galileu, Copérnico e o próprio Kepler formularam novas interpretações astronômicas para substituir os epiciclos e deferentes de Ptolomeu. Galileu alterou a forma de entendimento da queda dos corpos, criando uma nova teoria de que os corpos, independentemente de suas massas, caem com acelerações idênticas, questionando, assim, totalmente o raciocínio de Aristóteles. Mas, de qualquer jeito, se há rupturas no modo de pensar a natureza dos homens modernos, é fundamental sustentar que um Kepler e um Copérnico, e até mesmo Galileu não se desprenderam, de certo modo, do estilo de pensar platônico.
Paulo César Gomes de Souza
Mestrando em Filosofia - Unicamp