NIETZSCHE: Metamorfoses e Prostituições humanas
Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu em 15 de outubro de 1884, em Röcken, localidade próxima de Leipzig, Prússia. Neto de pastores protestantes e filho de pastor, também protestante, Nietzsche recebeu e conviveu boa parte de sua vida com seguidores desta religião. Teve um irmão e uma irmã que se tornará “famosa” às suas custas, perdeu seu pai e seu irmão no mesmo ano (1849). Essa foi uma das muitas mudanças pelas quais passaria ao longo de sua vida. Sem seu pai, mudou-se com a mãe e a irmã para Naumburg, cidade onde morava sua avó materna e duas tias. Foi nesse ambiente de delicadezas femininas que Nietzsche cresceu. Foi um aluno exemplar, feliz, dócil e leal; talvez por isso mesmo ficasse deslocado das demais crianças que, diferentemente dele, gostavam de brincar ao invés de ler a Bíblia, por exemplo.
Em 1858, conseguiu uma bolsa de estudos na escola de Pforta, onde passou a conhecer as obras de Fichte (1762-1814),Schiller (1759-1805) e Byron (1768-1824). Nota-se aqui a influência que o Romantismo teve na vida dele.
Saiu de Pforta após ter lido e estudado Ésquilo e Platão, além de fazer um trabalho sobre Teógnis (século VI a.C.), estudar a bíblia, o grego e latim.
Seguiu para Bonn, onde estudaria filosofia e teologia.Esta talvez tenha sido uma experiência que aparentemente não tenha sido tão boa para ele por ter que se esforçar a ter em seus usos e costumes aquilo que a sociedade ditava na época como as artes masculinas, exemplo disso, fumar e beber.
Em 1867 é chamado para o serviço militar, mas teve um sério acidente quando montava a cavalo, mal do qual na verdade nunca chegou a se curar definitivamente. Assim sendo, volta a Leipzig, depois de ter contato com seu professor preferido, o Senhor Ritschl, de cultura grega, onde começa a se dedicar a filologia. É com Ritschl que aprendeu a considerara a filologia não só como estudo das formas literárias, mas também como o estudo das instituições e pensamentos.
Nietzsche era muito dedicado aos estudos e brilhante aluno. Conseguiu, aos vinte e quatro anos de idade, o cargo de professor de filologia clássica da Universidade de Leipzig. Gostaria de conhecer Paris, mas diante de convite tão tentador, retarda sua vontade e começa então, a lecionar. Conhece Overbeck, de quem se torna amigo e é um dos poucos que realmente merece este título. Começa a dar aulas sobre Ésquilo. É convidado apesar da pouca idade, a dar palestras sobre”. O drama musical grego” entre outras. Redige o texto “A origem e a finalidade da tragédia“, começa a despontar críticas favoráveis ou não a respeito desse texto, mas é unânime que tem um futuro promissor.
É chegado o ano de 1870 e com ele, a Guerra Franco-Prussiana, passo importante para a unificação alemã. A exemplo da Inglaterra e França, a Alemanha vinha se industrializando e passava por um processo de mecanização da produção. Otto von Bismarck, declara guerra à Prússia na tentativa de unificação da Alemanha.
Nietzsche participa da guerra como enfermeiro, mas logo adoece, vítima de disenteria e difteria. Pode ser dessa época que “herda” sua doença inexplicável até o fim de seus dias. É a partir dessa época, recuperando-se na Basiléia e pensativo como nunca que chega a conclusão de que o estado e a política são antagonistas. As guerras trazem muitas marcas e acabam com muitos registros importantes para a humanidade; isso sim é considerado por Nietzsche, um crime contra a cultura. Afinal de que valem museus, quadros, documentos, relíquias após serem queimados ou parcialmente destruídos por homens que não consideram nada válido a não ser suas imposições? Redige e conclui seu primeiro livro “O nascimento da tragédia no espírito da música“, ainda influenciado por Wagner e Schopenhauer. Ainda nessa época começa a ler um livro que muito lhe despertará a vontade de se fazer filósofo. Este livro “O mundo como vontade e representação” também é de Schopenhauer e nele está como tema central a idéia de que seres vivos tem dentro de sí, uma cega vontade de viver e tal vontade é causadora de seus atos. Nietzsche percebe a vida como uma natureza assustadora daí, não para nunca mais com a filosofia.
Escreveu sem fazer divisões rígidas de seu pensamento, e classificá-lo é difícil, pois não é um pensador sistemático.Seus escritos são divididos por alguns estudiosos em três fases:
Pessimismo romântico (1869 - 1876)- influenciado por Wagner e Schopenhauer.
Positivismo cético (1876 -1881)- período de rupturas. Influenciado pelo moralismo francês.Critica o caráter demasiado humano da filosofia e defende a liberdade de espírito.
Período de reconstrução - A fase de reconstrução. A fase Zaratustra.
Para Nietzsche, “ ... o conhecimento é uma ilusão, a única relação do homem com o mundo é a estética. O conhecimento típico do homem, que assimila o mundo à sua perspectiva. Existem os instrumentos do conhecimento (categorias e linguagem) e seu produto, o mundo percebido. Uma das perspectivas que aparecem em Nietzsche é a noção de que o instinto da conservação da espécie é responsável por muitos atos. O conhecimento é útil à preservação da vida, e é também o objetivo de todos os líderes religiosos.”1
Para Nietzsche, o homem não é divino por isso precisa se apegar à mentiras, conhecimentos científicos , a moral e a metafísica talvez para Referência:acreditar que conseguirá explicar o mistério cósmico.” ...Mas existe o idealismo metafísico, o homem é divino, a Terra é escolhida. Para Nietzsche, o HOMEM ESTÁ SEM DEUS, sem causa transcendente. O conhecimento é ativo e submisso à vida. O mundo que tem valor é o que criamos ao perceber. Nossas verdades são ilusão.(...).Para crescer em potência, uma espécie deve moldar sua concepção de realidade e comportamento em leis invariáveis e elementos previsíveis.Nos filósofos anteriores a Nietzsche, os órgãos de conhecimento eram de origem incondicionada ou transcendente. Para Nietzsche , a capacidade espiritual do homem tem um contexto natural e social.”2
Cada uma das obras tem sua peculiaridade. Mas trataremos a seguir de dois pontos importantes na obra de Nietzsche: A morte de Deus e as ‘’prostituições humanas“ diante de tal afirmação. 3
Gostaria de deixar registrado que algumas expressões aqui usadas podem não ser, originariamente, expressões do autor, uma vez que as traduções germânicas se afastam um tanto das traduções latinas.
Antes de começarmos a exposição proposta acima, gostaria de tecer algumas outras curiosidades a respeito de NIETZSCHE.
Só na maturidade é que se dedica à filosofia e cita inúmeras vezes em suas cartas a amigos, não se definindo como homem mas sim como dinamite.
Nietzsche busca uma filosofia vitalista, relacionada à existência humana.Sua postura é uma crítica ao cristianismo, mas não na pessoa do Cristo. Para ele, o futuro será uma nova fase, onde deverá vigorar a vida, a condição humana. A realidade para ele é uma constante evolução marcada pela luta de poder, onde sempre manda o mais forte. Não devemos nos esquecer que Nietzsche é antropoformista (O homem é o centro das atenções e do poder).
Este é o evangelho que Zaratustra, o herói nietzschiano, vem anunciar aos homens da cidade com quem já não tem contato há dez anos. Após se refugiar na montanha e vive com seus amigos, os animais. Vive com a águia e a serpente, seus dois únicos companheiros além do sol e da solidão.
Zaratustra desce da montanha para anunciar aos homens da cidade seu fastio de sabedoria.
velho que o reconhece pelo sorriso e caminha cidade adentro onde encontra o povo reunido em volta de um artista4 que se equilibra sobre uma corda e é nessa hora que Zaratustra fala ao povo:”Eu vos anuncio o Super-homem”.5 Zaratustra vem apresentar o Super-homem. Ele é o sentido da terra. Sejam fiéis à terra e não acreditem naqueles que vos falam de esperanças supraterrestres.Continua seu discurso e faz mais uma célebre revelação: ”O homem é a corda estendida entre o animal e o Super-homem:uma corda sobre um abismo; perigosa travessia, perigoso caminhar; perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar.
O que é de grande valor no homem é ele ser uma ponte e não um fim; o que se pode amar no homem é ele ser uma passagem e um acabamento” .
Zaratustra vai mencionar as três transformações do espírito: como se muda em camelo,e o camelo em leão, e o leão , finalmente, em criança.
Há coisas por demais pesadas ao espírito, ao espírito forte e sólido e respeitável como por exemplo,sofrer fome na alma por causa da verdade
Aqui devemos parar um pouco e refletirmos sobre determinados “pesos”, “cargas” mesmo que carregamos por sermos humanos , racionais, “capazes” e detentores da verdade? Assim como o camelo, muitas vezes sentimos o pesar de tamanhas cargas jogadas sobre nós , seres humanos cansados de tantos medos, obrigações, culpas, ressentimentos?
Sim, o camelo representa o homem medíocre, sujeito à religião e à moral. Sofrimento e fraquezas são os grandes criadores do medo no homem medíocre que inventa um Deus para suprimir seus fracassos. Ele tem de se apegar a algo sobrenatural para reprimir ou pelo menos justificar a não libertação de forças , impulsos que têm dentro de si. É para essa grande parte do rebanho que acreditam serem piedosos, que Zaratustra anuncia a morte de Deus. Sim, o homem está só, é terreno e nada mais é livre para andar pela terra sem medo e pode sair do rebanho a que pertence, pois seu Deus morreu. A única voz que deve ser ouvida é aquela que sai de dentro do homem. O homem é só corpo.
O camelo é resistente ao calor do deserto mas surge em meio a esta solidão , a segunda fase da metamorfose, é o leão. O leão representa o homem forte, desmistificador da religião e da moral; ele deve ser “um super-homem”. Só assim, sendo forte o suficiente, conseguirá se libertar dos pesos e cargas tão pesados que lhe foram impostos ou melhor, “jogadas nas corcovas dele enquanto camelo”.
O homem forte rejeita imposições,deve-se tornar forte para sustentar seus próprios atos , autônomo, legislador de si mesmo sabe-se não mais pertencer ao meio dos homens comuns, luta para destruir obstáculos que possam aparecer à sua frente. “A Suprema e única ética do homem forte é o triunfo da própria personalidade, do próprio eu”6. É necessário demonstrar a própria vontade de poder sem nenhuma hesitação.
“Além do bem e do mal (título eloqüente de uma das obras mais importantes de Nietzsche) é o ideal de poder que se realiza com a superação definitiva da humanidade: além do homem. O homem forte deve ser um ‘SUPER-HOMEM’, tendo como virtudes principais a audácia e a in_ sensibilidade. A primeira permite-lhe afirmar a sua vontade sem nenhum escrúpulo; a segunda o coloca na condição de recorrer a qualquer meio sem se deixar comover pela compaixão. N o super-homem, como no cirurgião, a compaixão seria um defeito.”7 Mas ainda assim, esse super-homem não realiza totalmente o ideal humano.
Perguntaremos então, qual é a forma ideal do espírito humano se realizar? Se este “’super-homem” ainda não é o ideal , o que tem de errado nele?
O homem tem consigo a cobiça,a dureza no coração e o empedernimemto que podem lhe tirar essa imagem de liberdade.Nesse instante apresenta-se a terceira e última fase da metamorfose: “O Menino”, o homem inocente que se compraz na exuberância da natureza e cria novos símbolos sacros.Quem readquire o estado de inocência, deve ser mais feliz pois não vê limites na natureza que não sejam respeitáveis, ou seja, ele crê, cria,respeita e acredita sem medo na natureza, recria o deus Dioniso (Deus das festas , alegrias . Deus que simboliza a dor e a alegria.” É a felicidade daquele que assume e transfigura a totalidade do real”8.
III – DAS PROSTITUIÇÕES: “Prostituição não é uma palavra usada por Nietzsche. Esta foi usada por mim em função do valor que assume na atualidade. Partindo do significado etimológico da palavra prostituição em alemão, wegwerfen, podemos que esta também ganha outros significados além de prostituição.São eles: aquele que está fora do caminho e conseqüentemente está fora de si, atirando-se fora do caminho.
Estar fora do caminho deve ser entendido como estar fora dos parâmetros de sociedade baseada em conceitos normativos, morais,religiosos e lingüísticos. Estar fora, atirar-se para fora do caminho é o primeiro passo para a experiência de vida, à qual Nietzsche sempre nos convoca a conhecer. O “estar fora de si” é uma denominação dada àquele homem que tendo todos os conceitos normativos assimilados,como bons, verdadeiros, está afastado dos mesmos. Agora nossa questão passa a ser, com base na linguagem a análise positiva ou negativa que o uso desta palavra pode ter, ao ser usada pelo homem social (ditado pela moral e normas usuais) e pelo homem que visa o além-homem (aquele que se afirma , deve ter como missão e destino para si, a procura por tudo aquilo que foi exilado pela moral). Para o homem social marcado pelos conceitos normativos, prostituição seria uma palavra tomada em seu uso negativo, pejorativo, pois daria a ele uma idéia de diminuição, de diferença, inferior.
O que impede este homem – o além-homem – de ser entendido como “superior” ou consciente é a identidade que percebe que tem com os outros homens. Ou seja, o instinto: típico do ser humano. Só que consegue tal “salvação” porque se coloca a serviço da criação de cultura.
A vontade de transvalorar é que aparece como motivo para prostituir-se e não se sentir prostituído negativamente, conforme o emprego da palavra pela sociedade) perante os outros homens. Pois se entrega aos instintos, logo, À VIDA”9.
Cristiane Guapo
Licenciada em Filosofia - Unisantos
BIBLIOGRAFIA:
site: http://www.consciência.org/contemporânea/Nitzsche.shtml.
Friedrich Wilhelm Nietzsche, Assim falava Zaratustra,III parte.
__________________________A Genealogia da moral.
Mondin,Battista, curso de filosofia vol.III. edições paulinas. 1982.
Cristiane Guapo. As Prostituições em Nietzsche. Trabalho de conclusão de curso de Filosofia na Unisantos, 2000
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[1]Extraído do site:
http://www.consciência.org/contemporânea/Nitzsche.shtml.
2 Idem
3 A palavra prostituição é composta por dois verbos em alemão. WEG = caminho; não estar, estar fora, fora de si; e WERFEN = atirar-se, lançar-se.
4Assim falava Zaratustra,III parte,pg25.
5Assim falava Zaratustra,III parte, pg 27.
6 A Genealogia da moral, cap. I , 1a. parte.
7 Mondin,Batista.curso de filosofia vol.III.,pg 79.
8 Idem
9extraído do meu trabalho de conclusão de curso de Filosofia na Unisantos, 2000.