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Thomas Hobbes: jusnaturalista ou positivista?

Thomas Hobbes nasceu na Inglaterra, na aldeia de Westport, Malmesbury, em 1588. Seu pai era um clérigo de poucos recursos financeiros e culturais. Entretanto, Hobbes teve seus estudos pagos por um tio residente no condado de Malmesbury e logo cede aprendeu o grego e o latim, consolidando uma formação clássica.

Aos quinze anos, entrou para o colégio “Magdelen Hall”, de Oxford, cujas diretrizes eram essencialmente fundadas no conhecimento escolástico, tendo obtido o bacharelado sem grande notoriedade.

Contudo, graças à sua convivência com a nobreza, galgou condições que lhe possibilitaram exercer a função de preceptor do filho William Cavendish, futuro conde de Devonshire. Conseguiu, assim, alcançar razoável estabilidade econômico-social, o que lhe possibilitou aprofundar seus estudos, principalmente na área filosófica.

Vale citar, ainda, que foi também preceptor do Príncipe de Gales, que foi também o Rei Carlos II da Inglaterra, e passou, não muito mais tarde, a receber uma pensão vitalícia a qual lhe proporcionou as condições necessárias para dedicar-se definitivamente aos estudos filosóficos. Enfim, no tocante aos seus aspectos biográficos, lembramos, aqui, o fato de Thomas Hobbes ter passado boa parte de sua vida na área continental da Europa, principalmente na França. Suas obras principais são “Leviatã”, 1651, De Cive, 1642, De Córpore, 1655, De Homine, 1658 e Objectiones ad Cartesii Meditationes, 1641.

Em 1679, dezembro, Thomas Hobbes faleceu em meio às polêmicas levantadas por suas obras, que valeram, inclusive, investigações da Igreja e acusações de ateísmo e heresia.

Thomas Hobbes nasceu, viveu e morreu numa Inglaterra envolvida em tremenda guerra civil.  A disputa de poder entre a velha nobreza britânica e a jovem burguesia mercantil marcou aquela época, definindo o papel inglês no posterior desenvolvimento do capitalismo.

Hobbes foi contemporâneo de Cromwell, viu o parlamento cerceando o poder absoluto do rei Carlos I, que acabou executado em 1642 e foi um ardoroso defensor do absolutismo e radical crítico da noção de democracia. A teoria de Thomas Hobbes está fundada na defesa do maior bem que o homem tem: a vida. Os demais bens, entende Hobbes, existem para manutenção desse. Manifestou-se radicalmente contra o pensamento de Descartes, opondo-se ao seu idealismo transcendental estóico pelo materialismo natural hedonístico. Isto é, contra as idéias inatas, distintas e universais cartesianas, sustentou a doutrina nominalista; contra a primazia de Deus, defendeu a sujeição do homem apenas às leis da própria natureza;  e contra o desapego do homem ao mundo em que vive, pregou a ética do prazer. Mas essa é uma discussão demasiadamente longa, e o que nos interessa, no momento, é determo-nos em suas concepções políticas, que, obviamente, vão encontrar sustentação nos Princípios acima elencados.

Para o filósofo, todas as ações humanas tendem para a manutenção da própria vida. Desse bem supremo, Hobbes concebe a existência do mal maior, a morte. A partir dessa oposição VIDA-MORTE, o autor faz, então, sua leitura do mundo, não apenas daquele seu momento presente, mas também do passado.

Daí conclui, sempre opondo o desejo (pela vida e outros bens) à aversão (pela morte e males menores), que todo homem busca a realização de seus desejos para alcançar  o fim último de conservação da sua vida.

Podemos facilmente verificar, a partir desse raciocínio, a forte presença do egoísmo como aspecto inerente ao homem. Esse, pois é o homem hobbesiano: egoísta e solitário. Por isso Hobbes não pode concordar com a idéia de Aristóteles, por exemplo, de que o homem é um animal político. Para ele, “o homem é o lobo do homem.” Mas essa afirmação deve ser entendida com comedimento, porquanto o próprio autor afirma que no estado de natureza não há nenhum homem superior o suficiente para dominar os demais. Nesse sentido, defende, em estado de natureza os homens estão em permanente conflito, o que não confere condições para uma vida em segurança. Para ele, ainda, o homem, no estado natural, tem o desejo de usufruir todos os bens, ou seja, é egoísta, e, ao mesmo tempo, não deseja, em hipótese alguma, a morte violenta.

Assim, impera, nesse estado, a guerra. Nele não há justiça: É importante ressaltar, aqui, que naquele momento histórico, a Inglaterra vivia grandes turbulências no plano político, uma guerra civil entre rei e parlamento, fato que não pode ser desprezado, e que, certamente, deve ter inspirado o filósofo na elaboração de sua teoria, cuja visão de estado natural, embora teórica, retrata indubitavelmente aquele momento da Inglaterra. Considerando, ainda, o egoísmo e a aversão à morte violenta, Hobbes, para solucionar esse problema, conclui pela necessidade da existência de um contrato entre os homens,  que dá origem ao Estado civil (social) de completa submissão, em que o homem só não renuncia ao direito à vida, dado à razão natural humana que sempre repele a morte. Dessa forma, o rei, que era legitimado por fundamentos divinos, passa, então, a ser legitimado por um contrato entre homens, que escolhem o soberano que irá governar  com poder indivisível e integral, criando, assim, um ser artificial, cuja alma é a soberania e o corpo a sociedade política, representado pelo monarca, cuja vontade substitui a vontade de cada um dos súditos, e, portanto tem autonomia para legislar, judicar e executar. Para ele, somente um centro dominante poderia levar a uma situação sustentável da vida humana em segurança. É a defesa da submissão do homem ao Estado em nome da garantia da vida, atribuindo ao Estado, em última análise, apenas a função de preservar a vida humana.

Não podemos esquecer de sublinhar que a formalização do contrato social, no entendimento de Hobbes, é celebrado entre os súditos, os quais designam seu mandatário supremo, não existindo qualquer contrato entre o Monarca e o súdito.

Em função dessa concepção, Hobbes entende que não há o direito de revolta dos súditos contra o Monarca, pois não havendo contrato, não há nenhuma quebra que justifique o rompimento. Ao súdito cabe, no entanto, o direito de recusar-se a cumprir a ordem que vá contra a sua própria vida e, por conseqüência, o direito à revolução apenas no caso de o Estado já não ser capaz de lhe garantir a vida.

A partir dessa rápida exposição, podemos, agora, entrar na questão do jusnaturalismo. Preliminarmente, pensemos no jusnaturalismo.

Jusnaturalista diz-se do pensador que defende a existência de um direito natural superior, de alguma forma, sob algum critério, ao direito positivo. Considerando os contratualistas, teremos como jusnaturalistas aqueles que defendem a existência de algum direito durante o estado natural, antes da superveniência do contrato social.

Positivista, ao contrário, diz-se do pensador que nega a existência de direito, na acepção da palavra, anterior à formalização da ordem jurídica, ou contrato social. Nesse caso, o direito surge com o Estado de direito.

Considerando o pensamento hobbesiano que põe a vida como bem máximo e que por isso toda ação humana naturalmente tende para esse fim, fica, parece-nos, evidente a sua filiação ao jusnaturalismo. Contudo, no decorrer de sua obra, o filósofo em pauta percorre caminhos que levam à polêmica inclusão entre os positivistas. Mas vejamos, pautado na idéia de necessidade de preservação da vida, Hobbes vislumbra uma lei natural fundamental: a preservação da paz.

Embora Hobbes coloque como primeira  lei “buscar a paz” e segunda “defender-se”, não podemos perder de vista que o escopo de Hobbes é a manutenção da vida humana – para isso, aliás, é que defende o contrato social e o Estado absolutista. Isso é importante notar porque no decorrer de sua obra, em função do valor atribuído à norma positiva, muitos têm a ilusão de que Hobbes abandona o jusnaturalismo em nome do positivismo, isto é, dá prevalência à norma posta pelo Estado em detrimento da norma natural. E essa idéia ganha força principalmente ao pensarmos a terceira lei fundamental: “que se cumpram os acordos feitos”; vez que daí surge a transferência do conceito de justiça do estado natural para o Estado Social, porquanto justo  é, então, o cumprimento da norma positiva, e injusto é o seu descumprimento. Todavia, como já alertamos, a teoria de Hobbes não começa nesse ponto – justo é o cumprimento da lei”. Começasse aí e teríamos, sem dúvida um positivista clássico. Essa é a conclusão a que chega como condição para cumprimento da norma fundamental natural, a qual visa à manutenção do supremo bem humano: a vida. É preciso claramente anotarmos os passos em ordem inversa a Hobbes: Justiça é o cumprimento da lei, que é estabelecida pelo Estado, que é estabelecido pelos súditos, que fazem um acordo entre si para garantir a vida, que é um direito natural. Destarte, não podemos fazer uma boa interpretação se pensarmos o enquadramento de Hobbes entre os positivistas tomando por base a sua teoria do Estado, posto que o Estado existe para garantir a vida do súdito, um direito natural. É bem verdade que, aos súditos, Hobbes não prevê alternativa senão obedecer à lei posta (a liberdade do cidadão é a liberdade de obediência à lei). Mas mesmo isso é bem diferente do positivismo, que não confere qualquer direito fora da lei.

Hans Kelsen, por exemplo, reconhecido positivista do Direito, afasta até mesmo a questão da justiçado campo do direito, colocando-o na seara da ética, e reserva ao Direito apenas a questão da validade das normas. Para ele, o Direito é um sistema perfeito, e a lei abraça forçosamente todo comportamento humano, subdivididos em três grupos: o que é obrigatório, o que é proibido e o que é permitido. Do ponto de vista lógico, todo comportamento é abrangido por um desses campos e o seu desrespeito acarreta uma sanção (apenas nos casos do primeiro e segundo). Assim, Kelsen construiu a chamada “Teoria Pura do Direito”. Podemos verificar, numa rápida comparação, que há uma distância muito grande entre o positivista Kelsen e o jusnaturalista Hobbes, ainda que em se tratando de Estado de Direito, ambos defendam o cumprimento da lei como norma fundamental. Entretanto, há também os positivistas que defendem a Justiça como estrito cumprimento da lei. E é por isso que Hobbes, muitas vezes, é incluído como não apenas mais um, mas o precursor do positivismo moderno. Contudo, já vimos que isso não corresponde à melhor interpretação, ao menos ao nosso ver. Apoiemo-nos, por exemplo, na doutrina de Norberto Bobbio, que estabelece dois critérios  de verificação (podemos assim chamar) do jusnaturalismo:

“1 – além do direito positivo (cuja existência nenhum filósofo do direito jamais ousou negar), existe o direito natural

2 – o direito natural é superior (no sentido logo mais especificaremos) ao direito positivo.”1

Da análise desses dois critérios, podemos ver que a teoria de Hobbes satisfaz os dois. O direito natural é evidente na sua teoria, e fundamentalmente superior ao positivo, vez que a norma fundamental, segundo Hobbes, pertence ao direito natural.

Bobbio desenvolve ainda mais a questão da superioridade, subdividindo-a em três espécies:

“1 – direito natural e direito positivo estão entre si numa relação em princípio e conclusão; 2 – o direito natural determina o conteúdo das normas jurídicas, enquanto o direito positivo, tornando-as obrigatórias, garante-lhes a eficácia; 3 – o direito natural constitui o fundamento de validade do ordenamento jurídico positivo, considerado em seu conjunto.”2 reitoto oridade, subdividindo-a em trnte superior ao positivo, vez que a norma fundamental, segundo Hobbes, pertence ao dire

Assim, diante de todo o exposto, poderíamos incluir, com tranqüilidade, supedaneados por Bobbio, Thomas Hobbes entre os jusnaturalistas do terceiro tipo, aquele que dá ao jurídico positivo um caráter de essencial importância, e na aplicação prática da norma, dá preferência à positiva por se tratar da manifestação da vontade geral expressa no monarca. Como o próprio Bobbio diz, o positivista de todos os jusnaturalistas. Porém, não nos parece muito pacífica essa classificação, visto que, como já afirmamos em outro momento, há uma lei fundamental natural que rege todo esse ordenamento, ainda que esse seja, quanto aos súditos, de valor absoluto. E acreditamos que Hobbes adotou essa posição em defesa da manutenção do Estado, fundamental para conservação da paz, a qual, por sua vez, é fundamental para a manutenção da vida, o bem mais valioso do homem. Não bastasse esse argumento, o próprio Hobbes prevê um caso de autorizada desobediência à lei positiva: a liberdade de o prisioneiro não se suicidar, mesmo em cumprimento de ordem do soberano. Ora, o que temos então? A superioridade cristalina da norma natural sobre a norma positiva, situação que nenhum positivista admite. Talvez seja até mesmo a única exceção que se possa verificar na obra de Hobbes, mas é justamente a exceção para salvar o fundamento de todo o sistema, a vida humana.

Enfim, podemos concluir que a teoria de Hobbes pode até ser utilizada pelos positivistas em razão da sua criteriosa formulação no tocante à questão de obediência à norma positiva, mas ainda assim prevalecerá sempre o valor maior da norma natural, fundamental e, pois, não poderemos classificar entre os positivistas.

Luiz Meirelles

Mestrando em Filosofia – PUC/SP

Bibliografia:

(1) (2)BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Editora Campus, tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro, 1991.

WEFFORT, Francisco (org.)  Os clássicos da política. São Paulo: Ática.

ARANHA, Maria Lúcia. MARTINS, Maria Helena . Filosofando: uma introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1986.

HOBBES, Thomas. O Leviatã. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1972

REALE, Giovanne e ANTISERI, Dario. História da Filosofia, vol. III, edições paulinas. 1991.

MONDIN, Battista. História da Filosofia, vol. III, edições paulinas. 1981.

Anotações de aulas da Profª MARIA CONSTANÇA PERES PISSARRA, no curso “Fundamentos da História da Filosofia”, PUCSP. 2003.                                

 

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