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Coluna do Leitor

“Um grito de igualdade social”

Estava eu, dia 25/04/2004, assistindo ao Domingão do Faustão - fato raríssimo de acontecer, por sinal - quando, de repente, me deparo com um homem negro, de bermuda e camisão vermelhos, cabelo envolto em tranças, apresentado como cantor de rap/hip-hop, com um codinome MV Bill. Preferências musicais à parte, esse homem de 30 anos me fez pensar sobre minha vida e a sociedade em que vivemos durante todo o restante da noite. Com suas palavras ele conseguiu deixar-me com uma mistura de sentimentos, como o de raiva e amor, esperança e descrença, nojo e alegria. Esse homem nasceu e vive em um lugar chamado Cidade de Deus, lugar que se tornou conhecido pela origem da criminalidade no Rio de Janeiro, além de ter sido amplamente badalado ao ganhar destaque na mídia nacional e internacional, após o excelente filme dirigido pelo nosso querido diretor Fernando Meirelles, filme esse que leva o nome dessa comunidade. Pelo relato de MV Bill, percebe-se que se trata de uma pessoa humilde, carente, desprovida de recursos e oportunidades - como tantas outras em nosso país - mas com uma sabedoria nata, uma visão de vida voltada para o bem-comum (ético, sem mesmo ter estudado Aristóteles e Platão), sendo uma pessoa extremamente humana a ponto de deixar o Sr. Fausto Silva com lágrimas nos olhos. Imagino que muitos PHD’s, Mestres, Doutores, Gurus, ficaram boquiabertos com sua simplicidade, objetividade e lição de vida, deste cidadão que conviveu com o crime, a miséria e outros tipos de situações que nós nem imaginamos. Mesmo após ter vivenciado todas esses percalços da vida, não se tornou um criminoso, nem uma pessoa revoltada: Muito pelo contrário! Através de sua música e de seus projetos sociais – como a CUFA Central Única das Favelas -, leva aos marginalizados algo que ele nunca tiveram: ESPERANÇA de uma vida melhor. Observem o ponto a que chegamos. Semelhantes sem ESPERANÇA! Quem foi que disse que ela é a última que morre? Tirar algo de vital importância para a sobrevivência de um ser humano, acredito ser como matá-lo aos poucos, só que dia após dia. Imaginem só esse sofrimento todos os dias! Tudo isso me pôs a pensar! De que adianta tantos avanços tecnológicos, estudos, teses, tanta demagogia nos discursos, tanta responsabilidade social pregada pelo mundo coorporativo, se a miséria, a criminalidade, o desequilíbrio social, aumentam aos nossos olhos. Só que agora existe uma agravante: antes, a pobreza e a criminalidade estavam afastadas de nosso cotidiano escondido em favelas, morros, periferias, mas agora essa avalanche de caos social saiu desses pólos e partiu em direção ao perímetro urbano. Podemos encontrar esses fatos em cada esquina, nos ônibus, metrôs, nas ruas, discotecas, sinais de trânsito.

 Acredito que a cada avanço, a cada descoberta que o mundo faz em direção ao futuro e as inovações, andamos dez passos para trás. Não sou contra as descobertas, nem as inovações, muito pelo contrário, aprecio e aceito cada uma delas que tenha por objetivo melhorar a vida das pessoas. Porém, fico imaginando uma criança que nasça no dia de hoje e não tiver a oportunidade de estar inclusa no mundo digital, que não tenha condições de obter educação – familiar e escolar -, que não tenha alimentação, seus direitos preservados, um lar, o que será dela no ano de 2024?Por isso que acredito que com tantas novas descobertas estamos iniciando um novo modelo de “anti-semitismo”. Isso mesmo! Estamos segregando as pessoas, mas não por causa de sua cor, religião, etnia, mas sim por causa de sua posição social. Isso é muito sério! Muitos possuem um computador, um celular, um DVD, mas pensem sobre aqueles que nem água tratada tem! Mas é normal pensar: isso é problema de governo! Até concordo que em parte seja, mas isso está culminando em mortes, tráfico, seqüestros etc. E tudo isso em nossa porta, sendo que muitas dessas portas estão localizadas em lugares nobres e de alto poder aquisitivo. Chega de colocarmos a culpa na colonização nociva, predatória e exploratória dos portugueses que, além de levarem a ingenuidade de nossos índios, levaram também nossas riquezas. Chega de colocarmos a culpa na ditadura, nos governantes – sendo que nós os elegemos -.Chega de colocarmos a culpa no cenário econômico, na falta de oportunidade. Chega de desculpas. Vamos assumir nossa parcela de culpa e responsabilidade e sobre essa questão, vamos fazer cada um sua parte e mudar essa nação sem identidade.

 O mundo anda tão mudado que assassinatos, estupros, corrupção, já fazem parte de nosso cotidiano. É a banalização da importância com a vida e o bem-estar das pessoas! Estou, realmente, cansado de ver policiais, deputados, funcionários públicos sendo corrompidos e corrompendo toda uma sociedade, pois muitas pessoas do “alto escalão” financiam atividades ilícitas, para obterem lucro e terem a SUA vida tranqüila. Sem falar na classe média-alta que, de uns tempos para cá, começou a aparecer nas manchetes de jornais e revistas, sempre envolvidas em brigas e mortes. Será que todos agora querem chamar a atenção por atos de maldade?

Estou farto de ler e ver em revistas, jornais e emissoras de TV, como The Economist, Washington Post, New York Times, Estado de São Paulo, Exame, Você S/A, Globo, Record entre outras, discursos demagógicos e eleitorais – tanto de políticos, CEO’s, atores, personalidades, celebridades como de emergentes que fazem de tudo para aparecer -, sendo que depois essas mesmas pessoas aparecem em escândalos como o da Eron, Parmalat, Waldomiro Diniz etc. Sendo que estas e outras tantas pessoas sempre obtêm lugares destaque na mídia, por serem “politicamente corretas”, e pregam discursos enfáticos sobre equilíbrio social e preocupação com o todo. Mas, na verdade, estão preocupadas somente com seu mercado, com seu nicho, com seu status quo, com seus votos, pois, ao atingirem seus objetivos esquecem-se de suas palavras – palavras estas que o vento leva, mas ecoam, trazendo frustração e tristeza, naqueles que são menos favorecidos .

 Estou farto, também, da falta de identidade que assola este país, somos uma miscigenação de personalidades, modos e costumes, - exceto o nosso futebol, o carnaval, a praia, a cerveja e - é claro - as lindas mulheres . Temos de valorizar mais os seres humanos. Temos de encontrar pessoas como Che Guevara, Gandhi, Malcom X, Luther King, Nelson Mandela, Betinho, Marcelo Yuka, MV Bill e tantos outros, pessoas que realmente se importem com o próximo e façam disso uma causa verdadeira e justa. Chega de hipocrisia, pois, se acharmos que cercar a favela da Rocinha ou o uso das forças aramadas irá solucionar a criminalidade, estamos meramente enganados! Essa é a conseqüência de uma série de problemas da desigualdade social que enfrentamos. Pois as pessoas que estão envolvidas com o tráfico de drogas e o crime organizado fazem muito mais pelos carentes do que  nós e o governo.

Estou farto de ver países como  a Índia – crescer o PIB em 8% em 2003 – China – ter 3,2% de desemprego com uma população de 1,5 bilhões de pessoas -, enquanto nós, com uma retração de PIB de 0,2% e uma taxa de desemprego de 12%, sem falar na taxa de analfabetismo, repetência e evasão escolar. Somos um bando e não uma nação, como seria bom ver um estudante na frente de um tanque de guerra lutando pelo ideal em comum de uma ação. Pena que não somos os coreanos. E não adianta vir me falar dos “caras pintadas”, pois eu estava lá, e sei que a maioria estava lá para matar aula, fazer baderna e chamar a atenção. E a minoria estava preocupada com o futuro do Brasil e a exoneração de Sr. Fernando Collor de Mello. Mas é, justamente, a essa minoria que eu recorro e peço que continuem a lutar e não percam a ESPERANÇA, tomem como exemplo as revoluções estudantis e de liberdade mundiais, incluindo a nossa de 1964. Lutem. Persistam.

Obs: Não sou um revolucionário, comunista, socialista, líder espiritual, ou afins, apenas estou farto!

Thyago Ney Augusto

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