Amor platônico
“[Eros]lança sobre mim um olhar benevolente e amigo, não enfraqueças em mim essa Arte de Amar de que me fizeste o dom. Ao contrário, lembra-me sempre para que eu encareça cada vez mais a Beleza”.
( PLATÃO, Fedro, p. 160 ).
O amor platônico inspira-nos a crer que a destinação para o verdadeiro bem é inerente à natureza humana, e todo esforço para alcançar algum bem, implica em um primeiro bem absoluto não mais realizável, que representa, entretanto, o pressuposto supremo de todos os bens temporais segundo sua escala de valores. Sem essa necessidade, não teriamos motivo para desejá-lo; paixão silenciosa anelo da alma imortal.
A amizade no seu nível mais elevado desenvolve-se em todos os sentidos. È da natureza da amizade os amigos se darem um ao outro; é por amor do seu amigo que o amigo ama. Assim sendo, o primeiro impulso em direção ao amado é o primeiro movimento em direção à Beleza a qual todas as coisas tendem.
O insondável no amor, reside em querer ser, em verdade, igual ao amado.O amor, entretanto, descobre-se mais na distância e no mistério e quanto mais de seus fogos nos aproximamos, mais dele estamos distante; é que a vida do amor oculta-se em seus fundamentos desdobrando-se na eternidade. Permanecer no amor é, portanto, permanecer no outro; perfeição para o corpo e êxtase para a alma imortal.
A excelência no amor é o encanto que seduz embalado por uma emoção interior: o desejo. O desejo e o ser desejado se unem num todo, ambos são um. E o desejo não é senão um sonho, um instante de prazer e um breve despertar alegre e feliz; infinitamente profundo, princípio determinado pela alma, desejo de tornar ao absoluto, onde o objeto do prazer situa-se no plano superior da Beleza. Onde a verdadeira virtude consiste antes em amar que em ser amado. Desejo daquilo que necessitamos para suprir nossa carência interior, para o aperfeiçoamento e unicidade da alma. Amar é; portanto: buscar no outro aquilo que habita no mais fundo de nós, pois o desejo é a carência de um bem que nos é devido, e somente desejamos aquilo que consideramos um bem. E é esse desejo de autoplenitude espiritual o que fundamenta e vivifica o amor.
Entretanto, nossos simples conhecimentos não desvelam o amor em seus mistérios. Viver no amor é não tentar defini-lo. Ele habita no insondável e repousa em seu movimento eterno. O amor então, deseja e exige que seus mistérios permaneçam ocultos no mais íntimo de nosso ser, mistério que o desejo mortal não ouse tentar desvendar; pois o secreto na vida do amor é a totalidade da harmonia na totalidade da existência. Assim, viver em amor é penetrar o mistério e ai encontrar a felicidade. Liame que atrai e edifica, o amor trabalha sutilmente as forças da eternidade estando presente em essência e ato na ação movente da natureza humana e universal.
Celebrar o amor em toda sua extensão e medida é atrair sobre si o Bem Supremo e, é, diante do amor, que nos revelamos à plenitude do eterno, pois somente aquele que acredita no poder do amor desvela para si um clarão da verdade, sua essência mais própria: seu Eros interior.
Dalva de Fátima Fulgeri
Licenciada em Filosofia-Unisantos