Charles S. Peirce:
A lógica da investigação e sua semiótica
Luiz Meirelles
Mestre em Filosofia - PUCSP
Charles Sanders Peirce nasceu em Cambridge, no dia 10 de setembro de 1839 e faleceu em Milford, no dia 19 de abril de 1914. Filho de Benjamin Peirce, renomado matemático de Harvard, Peirce se dedicou inicialmente aos estudos da Química, tendo mesmo alcançado o doutoramento também em Harvard. Extremamente ligado às ciências, Peirce foi um dos primeiros pensadores a se preocupar com a linguagem científica. Não estudou apenas Filosofia, mas, também, química, física, astronomia, linguística filologia, história e psicologia.
A contribuição de Peirce à Filosofia se destaca sobretudo quanto à sua tese de aplicação dos métodos de observação, hipóteses e experimentação nesse campo de estudo. Assim, dedicou-se ao estudo da validade do conhecimento e da estrutura da comunicação – linguagem. Sua lógica foi fundada na sua teoria semiótica.
Além das obras publicadas e conhecidas mundialmente, deixou aproximadamente 80.000 manuscritos, dos quais 12.000 páginas já foram publicadas.
O debate filosófico de Peirce põe em foco as principais teses filosóficas de toda a história, questionando a validade das afirmações dos grandes filósofos que o antecederam.
Embora não seja objeto deste momento, cabe ressaltar que Peirce apresentou contundentes críticas ao sistema cartesiano, discordando de sua tese intuicionista; divergiu dos empiristas britânicos, contra a aceitação passiva das percepções; e mesmo Kant não ficou livre de suas críticas, posto que para Peirce o conhecimento não poderia jamais ser “a priori”. Enfim, para ele, o conhecimento é produzido somente no âmbito da pesquisa. E a pesquisa se faz cientificamente. A ciência, segundo Peirce, deve ser dividida em três campos:
A matemática, eminentemente abstrata, a filosofia e as ciências especiais. Esses campos não são separados. São apenas distintos, mas interagem constantemente e o cientista não pode desprezar nenhum de seus elementos. “Certamente, acredito que a certeza da Matemática pura e de todo raciocínio necessário se deve à circunstância de que ela se relaciona com objetos que são as criações de nossos próprios espíritos..." (PEIRCE, CP 5.166)
“A segunda classe é a Filosofia, que lida com verdades positivas, pois de fato, satisfaz-se com observações tais como as que são pertinentes à experiência normal e diária de todo homem, e nas mais das vezes, em toda hora consciente de sua vida.” (PEIRCE, CP 1.241)
“A terceira classe é o idioscópico de Bentham, isto é, as ciências especiais, dependentes de uma especial observação, a qual percorre ou outra exploração ou alguma assistência aos sentidos, seja instrumental ou dada pelo treinamento, ambos com inusual diligência, dentro da capacidade de seus estudiosos.”(PEIRCE, CP 242)
Por enquanto, interessa-nos apenas a Filosofia. E Peirce a classifica em Fenomenologia, Normativa e Metafísica.
A fenomenologia é aquela que apresenta os dados observacionais. A normativa diz respeito às normas de conduta e pensamento humanos. E a metafísica, finalmente, trata do posicionamento do homem diante do mundo; da relação do homem com o Ser.
“A Metafísica consiste no resultado da aceitação absoluta dos princípios lógicos, não meramente como regulativamente válidos, mas como verdades do ser.” (PEIRCE, CP 1.487)
Em seus estudos, Peirce chega à conclusão de que o homem parte de sua posição de dúvida diante da realidade em busca de uma certeza (crença) que lhe dê segurança para suas ações. Assim, se por um lado a dúvida é paralisante da ação, por outro, justamente pela insuficiência causada pela dúvida o homem se move em busca de uma crença. As ações estão fundadas sempre numa crença. A dúvida provoca o homem. A crença o tranqüiliza e lhe dá a segurança suficiente para agir.
“Como, entretanto, a crença é uma regra de ação, cuja aplicação envolve dúvida posterior e posterior reflexão, constitui-se, ao mesmo tempo, em ponto de escala e novo ponto de partida para o pensamento. Tal a razão por que eu me permiti chamar-lhe pensamentos em repouso, apesar de o pensamento ser, essencialmente, ação.” (PEIRCE, CP 5.397)
Existem quatro formas de se alcançar a crença:
O método da tenacidade, que apresenta uma crença infundada, meramente pessoal, não resistente a qualquer objeção.
O método da autoridade, que impõe uma crença com fundamento no poder de sua autoridade, seja pela ignorância, terror, inquisição ou outros meios.
O método a priori, que apresenta conclusões, crenças, a partir de elaborações mentais, sem nenhum crivo exterior, sem nenhuma experimentação.
O método científico, que busca alcançar uma verdade com fundamento racional e experimental. Nesse âmbito, encontramos três formas científicas:
A dedução, que parte de uma afirmação dogmaticamente tida como verdadeira e a partir daí são recolhidos os fatos que se enquadram em tal afirmação.
A indução, que começa pela observação de fatos particulares em número suficiente para dar a segurança de se afirmar o universal.
A abdução, que é o sistema em que o homem supera a classificação dedutiva ou indutiva. Aqui, o homem observa um fato surpreendente. Dessa observação, cria uma hipótese que a explique. E, conforme essa hipótese explique (torne natural) o fato surpreendente, o homem adquire a crença daquela verdade, sem perder de vista que sempre poderá haver um novo fato ou uma descoberta que invalide a hipótese explicativa e, portanto, a verdade suposta.
A abdução inicia-se dos fatos sem, em princípio, ter qualquer particular teoria em vista, embora ela seja motivada pelo sentimento de que uma teoria é necessária para explicar os fatos surpreendentes. A abdução busca uma teoria, a indução busca fatos. (PEIRCE, CP 7.217-8)
A verdade para Peirce, está, pois, estritamente ligada à correspondência. O método pelo qual o homem verifica essa correspondência é o método científico, o qual não pode ser apenas dedutivo ou indutivo, mas sobretudo, uma articulação entre esses dois, o que Peirce denomina abdução.
Como todo conhecimento provém da inferência sintética, nós devemos inferir igualmente que toda certeza humana consiste meramente em sabermos que os processos pelo quais nosso conhecimento tem sido derivado são tais que devem geralmente levar a conclusões verdadeiras. Embora uma inferência sintética não possa ser de maneira alguma reduzida à dedução mesmo que a regra da indução que a apóia a longo prazo possa ser deduzida do princípio de que a realidade é somente objeto da opinião final para a qual poderia conduzir a investigação suficiente. Que a crença tende a se fixar sob influência da investigação é, realmente, um dos fatos dos quais parte a lógica. (PEIRCE CP 2.692-93)
Todo esse processo de busca da verdade acontece tendo como parâmetro a comunicação e em ultima análise a linguagem. Nesse sentido, Peirce estabelece também um marco fundamental no debate filosófico com sua teoria semiótica.
“Em seu sentido geral, a lógica é, como acredito ter mostrado, apenas um outro nome para a semiótica, a quase-necessária, ou formal, doutrina dos signos.” (PEIRCE SEMIÓTICA, p46)
Para Peirce, “todo pensamento é sinal e participa essencialmente da natureza da linguagem”. Isto é, não é possível ao homem pensar sem que seja por meio de sinais. A comunicação está fundada em três aspectos fundamentais:
O sinal propriamente dito ou o primeiro termo. Aquilo que representa algo a alguém. É o representamen.
O objeto em função do qual está o sinal, isto é, o segundo termo.
O intérprete, que estabelece a relação entre os dois primeiros, ou seja, o terceiro termo.
A primeiridade refere-se àquilo que é, sem interferência de outro, sem referência a nenhum outro elemento. No campo da fenomenologia é o fenômeno puro. Antes da racionalização pelo homem, antes da interpretação humana. É a percepção original, livre.
“A idéia de primeiro é predominante na idéia de novidade, vida, liberdade. Livre é aquilo que não tem outro atrás de si determinando suas ações. (CP 1.302). As idéias típicas de primeiridade estão nas qualidades de sentimento ou meras aparências. [...] É simplesmente uma possibilidade positiva peculiar, independente de tudo o mais. (CP 8.329). Por um sentimento eu entendo um exemplo daquele tipo de consciência que não envolve qualquer análise, comparação ou qualquer processo que seja, nem consiste, no todo ou em parte, de qualquer ato pelo qual uma extensão de consciência é distinta de outra e que tem sua própria qualidade positiva, que consiste em nada além disto e que é de si mesma tudo o que ela é. (CP 1.306). Um sentimento é um estado, que assim é em sua totalidade, em todo momento de tempo e na medida em que ele dure.” (CP 1.307)
Quanto à primeiridade o signo pode ser:
Qualissigno, que é uma qualidade que é por si um signo.
“Um qualissigno é uma qualidade é um signo. Não pode realmente atuar como signo até que se corporifique, mas esta corporificação nada tem a ver com seu caráter como signo.” (PEIRCE, SEMIÓTICA, 52)
Sinsigno, é algo real, concreto, que é signo de algum objeto.
“Um sinsigno (onde a sílaba sin é considerada em seu significado de “uma única vez”, como em singular, simples, no latim semei, etc) é uma coisa ou evento existente e real que é um signo. E só o pode ser através de suas qualidades, de tal mdo que envolve um qualissigno ou, melhor, vários qualissignos...”(PEIRCE, SEMIÓTICA, 52)
Legissigno, é o signo que se faz por força de lei, ou seja, convencional. Representa um objeto a partir de uma consideração legal.
“Um legissigno é uma lei que é um signo. Normalmente, esta lei é estabelecida pelos homens. Todo signo convencional é um legissigno (embora a recíproca não é seja verdadeira) (PEIRCE, SEMIÓTICA, 52).
A secundidade está diretamente ligada à relação entre o sinal e seu objeto e seu interpretante. Está relacionada, pois à experiência atual, ao presente fático. Conforme se estabelece essa relação, Peirce classifica em índice, símbolo ou ícone.
Índice é o signal que se refere a um objeto que o afeta efetivamente. Há uma mistura de significação entre o objeto e o índice, embora não se confundam.
Símbolo refere-se ao objeto fundado numa lei, numa convenção. É, portanto, geral, um símbolo refere-se a todos o casos daquele objeto.
Ícone não depende de seu objeto, sua relação é por associação e representação. As características próprias do sinal (ícone) é que o levam a ser signal de determinado objeto.
A terceiridade é o aspecto estabelecido na interpretação do sinal, ou seja, a classificação do sinal em relação com seu interpretante. Nesse sentido, Peirce classifica o sinal em:
REMA: quando se refere a características possíveis do objeto. Embora traga em si uma informação, não é informação necessária ao objeto.
“Um Rema é um signo que, para seu interpretante, é um signo de possibilidade qualitativa, ou seja, é entendido como representando esta e aquela espécie d objeto possível. Todo rema propiciará,m talvez, alguma informação, mas não é interpretado nesse sentido." (PEIRCE, SEMIÓTICA, 53)
DICISSIGNO: Trata de uma característica real do objeto. É como o rema, porém referente a um objeto real.
“Um signo dicente é um signo que, para seu interpretante, é um signo de existência real... Um dicissigno necessariamente envolve, como parte dele, um rema, para descrever o fato que é interpretado com sendo por ela indicado...”(PEIRCE, SEMIÓTICA)
ARGUMENTO: É a representação do sinal naquilo que é sinal, isto é, por força de lei ou convenção. “Um argumento é um signo que, para seu interpretante, é um signo de lei. Ou podemos dizer que um rema é um signo que é entendido representar seu objeto meramente por seus caracteres; que um dicisigno [dicente] é um signo que é entendido representar seu objeto com respeito a uma existência real; e que um argumento é entendido representar seu objeto em seu caráter de signo." (PEIRCE SEMIOTICA, 3-252)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PEIRCE, Charles S. Semiótica. Tradução de José Teixeira Neto. São Paulo:
Perspectiva, 1977.
________ The Collected Papers of Charles Sanders Peirce. Vol. I-VI. C.
Hartshorne et Paul Weiss (eds), Vol. VII-VIII Arthur Burks (eds.) Cambridge,
Massachusetts, Harvard University Press, 1931-1958. (Edition Electronic).
http://www.textlog.de/charles_s_peirce.html
BACHA, Maria de Lourdes. A teoria da Investigação de C. S. Peirce. PUC/SP. 1997
REALE, Giovanni e Dario Antiseri. História da Filosofia, Vol. III.
ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia, vol. XI.