Soberba e humildade na tradição medieval
José Chadan[1]
Uma análise a partir de "Confissões", de Santo Agostinho e "A nuvem do não-saber", de autor desconhecido, sec XIV
SOBERBA E HUMILDADE NA TRADIÇÃO MEDIEVAL: UMA BREVE INTRODUÇÃO
Na tradição medieval, que teve inicio com a patrística e depois a escolástica, a soberba compõe a lista dos sete pecados capitais. O próprio cartuxo anônimo cataloga a soberba entre os sete pecados em sua obra A Nuvem do Não-Saber[2]. Colocando-a na extremidade oposta à da humildade. Em termos gerais, a soberba
(...) já se encontrava no comportamento de Adão (cf. Gn 3,1-9). Rejeitando a dependência de Deus, ligada ao reconhecimento da criaturalidade, o homem recusou a verdade sobre si mesmo e se ergueu como absoluto. Mas agindo assim, ele esvaziou de sentido a história e a entregou ao poder do pecado. Substituiu a verdade pela violência arrogante, que é sempre fonte de morte[3].
Ao passo que a humildade é representada pelo Verbo encarnado, que sendo igual a Deus, rebaixou-se, tomando a forma humana, sofrendo toda espécie de dores e angústias terrenas e sendo obediente a Deus até a morte e, morte de Cruz. O primeiro pensador cristão a empregar o conceito de humildade neste sentido, foi São Paulo e posteriormente Santo Agostinho[4]. De acordo com Magrassi, a humildade não consiste em sentir-se pequeno, posto que ao Senhor isto seria impossível, mas em fazer-se pequeno[5].
SOBERBA
- O Conceito de Soberba nas Confissões
O conceito de soberba, conhecido também como orgulho[6], tentação de louvor, ou vã glória, foi tratado nas Confissões, mais robustamente nos capítulos 36 ao 39 do livro décimo. De acordo com a tradução de J. Oliveira Santos, a soberba recebe o(s) nome(s): orgulho, no capítulo 36; vanglória, no capítulo 38; e, amor próprio, no capítulo 39.
No capítulo 36, intitulado O Orgulho, Agostinho fala primeiramente de que para combater o orgulho é necessário ter temor de Deus. E, de que Deus sendo o único Senhor, não governa com orgulho.
O orgulho é um pecado que se comete somente, em ajuntamento social, pois consiste em o homem querer ser temido e amado pelos demais homens; em querer também que o louvor destes homens lhe seja dirigida, ao invés de dirigir-se a Deus[7].
Ademais, só é louvado quem vive uma vida digna de louvor e, no entanto, Agostinho afirma de que se deve sim, ter uma vida reta e digna, contudo, abrindo mão dos louvores que lhe acompanham, redirecionando estes louvores a Deus (que é quem auxilia o homem a viver deste modo)[8].
Em seguida, no capítulo 38, o bispo de Hipona segue criticando essa tendência humana em buscar o louvor alheio, que ele, denomina de vã glória. Distinguindo entre duas espécies de vã glória: a glória que o homem busca através do elogio e exaltação alheia e a glória que o homem busca ou sente por achar que não possui vã glória ( julgando tê-la combatido e vencido, falseia a vã gloria, gloriando-se de um outro modo, mais velado e sutil)[9].
Finalmente no capítulo 39, sobre o amor próprio, o autor tipifica três tipos de orgulho: (i) a vanglória dos homens que se exaltam a si mesmos, julgando os males como se fossem bens, (ii) quando se gloriam dos bens de Deus como se fossem seus, e (iii) quando reconhece que são dádivas de Deus, não se alegrando quando outros o possuem, mas, sentindo inveja[10].
Finalmente, há nas Confissões passagens menores onde o pecado do orgulho seria mencionado, como por exemplo no capítulo décimo do livro primeiro[11]. Entretanto não me deterei aqui nestas pequeninas passagens por não parecerem tão substancias quando as que mencionei sobre o livro X.
- O Conceito de Soberba em A Nuvem do Não-Saber
O conceito de soberba surge em A Nuvem, segundo a tradução de D. Lino Correia M. de Miranda Moreira, com as expressões: orgulho, presunção e vaidade. A primeira menção robusta ao conceito de soberba/orgulho, se encontra no capítulo XXVIII de A Nuvem do Não-Saber, onde o autor afirma que no principio, o homem, tendo domínio sobre todas as coisas, inverte a relação, sujeitando-se ao invés de sujeitar (as criaturas). Decaído por causa do pecado original, as criaturas orgulhosamente se colocariam entre ele e Deus. Como se o orgulho inicial do homem antes da queda, se invertesse, dando lugar a um outro orgulho, o das criaturas que se elevam, intrometendo-se entre o homem e Deus. Seriam então dois tipos de orgulho: o orgulho humano e o orgulho das criaturas[12].
É preciso averiguar se o orgulho das criaturas que se interpõe entre o homem e Deus, trata-se apenas de uma metáfora ou se deve ser entendido literalmente. Conhecendo a linha de raciocínio do cartuxo anônimo, é possível supor que se trata de uma preposição que deve ser entendida não em sentido material, mas em sentido espiritual. Tomar um sentido por outro é justamente cair no engano a que caem os principiantes presunçosos, que se deixam levar pela curiosidade e pelo orgulho. O orgulho segundo o cartuxo desconhecido, está diretamente ligado à curiosidade[13].
Sobre a confusão no que concerne à compreensão correta das palavras, o autor torna a tratar no capítulo LII[14]. No capítulo LVI a erudição e o saber oriundo dos livros é entendido como um certo orgulho pelas especulações da inteligência natural[15]. No capítulo LVII o autor desconhecido torna a mencionar os enganos de quando se tem uma compreensão equivocada de certas expressões[16].
- Soberba: a vontade que afronta Deus
O orgulho é associado ao uso da vontade que deseja transgredir a lei divina. Agostinho mostra isto no episódio de sua adolescência, quando roubou peras, não por necessidade, beleza ou sabor, mas unicamente pelo prazer de roubar[17]. Segundo Vargas: “A única motivação de fundo para o roubo, portanto, era a transgressão da lei, o fazer valer a própria vontade por cima da vontade de Deus” [18].
Por debaixo do pecado da soberba, estaria o desejo de poder, autossuficiência, autonomia e de independência de Deus. No livro II, sobre a Alegria do Mal, Agostinho diz que o orgulho deseja o poder, o conhecimento e a busca por ser temido, porém, tais atributos pertencem somente a Deus[19].
A soberba se caracteriza pela comparação e competição. Afastando o homem de Deus e de seus semelhantes. Isto porque a soberba sendo extremamente competitiva coloca os homens uns contra os outros. O soberbo estaria sempre se comparando com os outros e buscando, sem medir os meios para ser o melhor, o mais rico, o mais habilidoso, inteligente, bem sucedido; custe o que custar - custe até mesmo o bem-estar do outro ou sua integridade ferida.
O soberbo é capaz de, por exemplo, cobiçar a mulher alheia não porque gosta dela, mas apenas para se sentir superior ao seu vizinho. Comprar algo não porque goste ou precise, mas para se sentir superior (novamente). É até mesmo, capaz de agir retamente, não por causa da ação em si, mas somente para arrogar-se um mérito e valor que o coloque acima dos demais homens. Daria esmola aos pobres, para poder olhá-lo com certo desdém. Por debaixo da soberba, está o germe da “rebeldia e desobediência que acompanhará a todo descumprimento do que Deus ordena” [20].
Segundo C. S. Lewis
(...) o orgulho é essencialmente competitivo — por sua própria natureza -, ao passo que os outros vícios só o são acidentalmente, por assim dizer (...). Se todos fossem igualmente ricos, inteligentes e bonitos, não haveria do que se orgulhar. É a comparação que torna uma pessoa orgulhosa: o prazer de estar acima do restante dos seres. Eliminado o elemento de competição, o orgulho se vai. E por isso que eu disse que o orgulho ê essencialmente competitivo de uma forma que os outros vícios não são [21].
A soberba, segundo a tradição cristã, é representada fielmente, na figura de um determinado anjo que, desejando o poder para ser autônomo e independente em relação a Deus, cometeu o primeiro ato que feriu a ordem justa e harmônica da criação[22]. Este anjo que escolheu desafiar a Deus, só o pôde fazer, por serem os anjos, assim como os homens, seres dotados de razão, por meio da qual, exprimem suas escolhas fazendo uso da vontade; esta, nunca constrangida, nem mesmo pela lei divina. Sempre livre para exercer suas funções de arbítrio[23].
Outrossim, a soberba se caracteriza pela instrumentalização de tudo que se encontra em seu entorno. O soberbo sempre busca servir-se de algo, alguém, ou defender-se de algo, alguém. Os frutos e o destino para o homem soberbo resultam em uma “amarga solidão, defendida às vezes encarniçadamente” [24].
Magrassi menciona os degraus da humildade na regra de São Bento, cap. VII, de onde se pode imaginar ser possível, investigando, traçar uma escala/degraus da soberba em contraposição a uma escala/degraus da humildade. Entretanto estes temas caberiam melhor em um trabalho à parte[25].
- A soberba do conhecimento
A fim de ilustrar a soberba, Agostinho lança mão primeiramente da seita dos maniqueus, a qual ele um dia pertencera. Referindo-se a Manés, fundador do maniqueísmo como um homem orgulhoso e insensato, que era tanto mais ignorante em diversas matérias e que não possuía piedade[26].
Sobre os maniqueus, Agostinho afirma de que eles: “julgam-se tão altos e cintilantes como as estrelas” [27]. Contudo, quando se refere a Fausto, bispo dos maniqueus[28], trata-o na conta de um homem modesto, que consegue distinguir entre aquilo que sabe e aquilo que não sabe: “a modéstia da alma que confessa sua incapacidade é mais bela que as coisas que eu desejava aprender” [29].
De modo semelhante, o cartuxo também diz que muitas vezes a causa do orgulho é a falta de conhecimento. Ora, aquele que não sabe que lhe falta conhecimento, mas julga que conhece, se incha de orgulho[30]. Mais adiante, adverte também contra aqueles que, por causa do orgulho, especulações da inteligência natural e saber livresco, abandonam as doutrinas e diretrizes da Santa Igreja. Confiando nos próprios conhecimentos, desviam-se de uma “experiência humilde e cega” [31] e aderem a uma “falsa experiência”[32].
Outra forma de presunção oriunda do conhecimento reside em compreender em sentido material o que tem sentido espiritual. Assim, se alguém ouve a expressão “para o alto”, fixa os olhos nas estrelas, inclina para cima os ouvidos e interpola a imaginação em sentido equivocado, também.
Tais equívocos devem-se também da compreensão equivocada sobre personagens bíblicas como “Santo Estevão que viu o Senhor de pé, no Paraíso” [33] e Cristo, que ascendeu ao Céu sendo visto por seus discípulos enquanto subia[34]. Pois, no tocante ao conhecimento, ensina o autor: aquilo que se pode saber de mais profundo sobre Deus é justamente uma certa forma de saber que sabe não sabendo, por meio da ignorância mesma[35]. Se se adotar esta postura, o cristão obtém humildade, combatendo em si, o orgulho e soberba.
A soberba do conhecimento, para o bispo de Hipona, se alimenta também de um certo erro na compreensão, no conhecimento que a criatura pode ter de si mesma e de Deus. No que se refere ao conhecimento de Deus, a razão se recusaria a conhecê-lO, limitando-se a conhecer apenas o que é sensível, e, no que se refere ao conhecimento de si, a razão não reconheceria a condição de pecado em que a criatura humana se encontra. Mais uma vez, consta de que o pecado da soberba arroga para si o conhecimento[36].
Em falando dos orgulhosos, Agostinho fala também contra os neoplatônicos, que pretendem unir-se ao Uno por meio de uma vontade voluntária, sem reconhecer a necessidade da ajuda da graça e do reconhecimento de Cristo como mediador e salvador dos homens[37].
Mencionando novamente a passagem bíblica onde Jesus exorta a que os atribulados coloquem seu fardo sobre Seus ombro, a fim de que Ele os alivie - Ele, que é manso e humilde de coração. Menciona ainda, de maneira implícita a carta aos romanos onde o apóstolo condena os gentios por terem feito para si ídolos para os adorar, desviando-se do verdadeiro Deus e que “dizendo-se sábios, tornaram-se loucos” [38].
Segundo o bispo de Hipona, tudo que está contido nos livros platônicos também o está nas Escrituras. A diferença radical é de que os livros platônicos arrogam para si os méritos todo o conhecimento, não reconhecendo que tudo é dado por Deus[39]. Tais livros, portanto, não podem ensinar a humilde piedade[40],
Para ilustrar a soberba, Agostinho não se utiliza somente dos neoplatônicos que pretendiam unir-se ao Uno mediante uma vontade deliberada, mas também aponta para os egípcios, que fizeram para si deuses com formas de criaturas e, ao invés de adorar o Criador, idolatraram as criaturas[41].
A diferença entre presunção e humildade, consiste no fato de que o presunçoso não enxerga por onde caminha nem qual caminho conduz à Pátria bem-aventurada, ao passo que o humilde, enxerga e sabe por onde e como Nela chegar[42].
HUMILDADE
- O Conceito de Humildade na obra Confissões
No capítulo nono do livro sétimo das Confissões, Agostinho cita diversas passagens das Escrituras sobre humildade. A primeira menção à humildade se encontra na epístola de Tiago 4;6 e na primeira epístola de Pedro 5;5 segundo a tradução de João Ferreira de Almeida, onde o texto sagrado afirma que Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes.[43] A segunda menção diz respeito ao evangelho de São João, onde o evangelista interpreta o evento da encarnação como ato de humildade, ao dizer que o Verbo se fez carne e habitou entre os homens[44]. E, a terceira menção e ilustração de humildade se encontra na carta aos filipenses 2; 6-11[45].
Em seguida, Agostinho cita um salmo de Davi, onde está escrito de que Deus não poupou nem mesmo seu único filho, antes o entregou por todos os homens. Menciona ainda, o episódio bíblico em que Jesus deu graças a Deus por ocultar Sua revelação aos sábios e eruditos deste mundo, a fim de revelá-la aos pequeninos e humildes[46]. Para que pudessem Dele se achegar todos atribulados, prometendo-lhes alivio, Ele, que é manso e humilde de coração[47].
Finamente menciona a carta aos romanos, onde Paulo roga a Deus que perdoe os pecados da comunidade cristã residente em Roma, tendo por conta o trabalho e a humildade de seus membros[48].
- O Conceito de Humildade em A Nuvem do Não-Saber
O cartuxo anônimo inicia falando de humildade, mais robustamente, no capítulo segundo de A Nuvem, na tentativa de mostrar ao jovem discípulo a maneira pela qual se adquire e se a conserva a humildade[49].
No capítulo doze, o autor desconhecido exorta a que se escolham entre duas virtudes, das quais uma, seria a humildade. Ressaltando que as possuindo, nada mais faltaria[50]. No capítulo XIII, o autor lança mão de uma definição pormenorizada do conceito de humildade e distingue entre duas espécies de humildade. Todavia, falarei disto em momento oportuno no decorrer deste trabalho[51].
No capítulo quatorze continua tratando do tema anterior. O capítulo quinze por sua vez, ensina de como alcançar a humildade considerada a do tipo perfeita. Não obstante, haveria ainda uma humildade dada gratuitamente por Deus (vide o caso daqueles que nunca pecaram e foram exemplos de humildade) [52].
No capítulo cinquenta e dois, o cartuxo desconhecido trata da extremidade oposta à virtude da humildade, qual seja: o pecado da presunção. Advertindo contra os perigos deste[53]. Torna a tratar disto no capítulo LVII[54] e ainda, dá outro exemplo de humildade segundo as Escrituras[55].
- As duas naturezas de Cristo: Majestosa e Humilde
A tradição cristã que prevalece com Agostinho apresenta duas naturezas em Cristo: a natureza divina e a natureza humana. Cristo é Deus, mas também é homem, filho e servo. Nesta segunda forma ou natureza, Cristo se faz semelhante a nós. No que concerne à natureza divina, Cristo se iguala a Deus, por ser o Verbo pelo qual tudo foi criado. No que concerne à natureza humana e servil, Cristo se iguala a nós, pela sua carne. E, se o por um lado o Verbo se fez humilde ao encarnar na forma humana, por outro lado, diz Agostinho, que não há nada mais simples do que Deus[56]. E, ainda, tratando de simplicidade, Agostinho afirma em outro trecho das Confissões, de que as Escrituras possuem um estilo de escrita simplíssimo, atraindo “multidões no regaço da santa humildade [de Deus]” [57].
A segunda forma ou natureza, que se identifica com a forma divina de Cristo, ficaria sujeita à primeira, ou seja, o filho se sujeita ao Pai (na Trindade)[58]. Neste sentido, a humildade consiste na razão que se humilha, sujeitando-se e sendo auxiliada pela revelação.
A humildade seria ilustrada mesmo, pelo exemplo de Cristo, que sendo igual a Deus, rebaixou-se, encarnando na forma humana a fim de dar-lhes redenção. Como afirma Vargas: “Toda encarnação é uma revelação da humildade de Deus” [59]. Ou como diz Agostinho no livro IV das Confissões: “Ele, nossa vida, desceu até nós” [60].
Na primeira forma, na forma divina, Cristo realiza os milagres registrados nas Escrituras, como por exemplo, quando transformou a água em vinho nas bodas de Canaã (Jô 2,1-11). Já na segunda forma, a forma humana, Cristo sofre, se cansa e sentea fome.
É somente porque Cristo se rebaixou e assumiu a forma humana, sofrendo todas as consequências da mesma, que ele pôde redimir a humanidade. Nisto, consiste a humildade de Cristo, segundo Santo Agostinho[61].
- O que é a humildade e dos meios de alcançá-la
A humildade consiste na falta de espírito de competição e de vangloria. Para Agostinho, a humildade cristã se encontra em oposição à soberba dos neoplatônicos, justamente por que estes julgavam conhecer tantas coisas, porém desconheciam por completo o mistério da encarnação[62]. Tornar-se humilde é antes de qualquer coisa, reconhecer a encarnação do Verbo, tal como ensina o cartuxo:
Devias ser tanto mais humilde e afetuoso para com o teu esposo espiritual, quanto é certo que Ele- o Deus todo-poderoso, Rei dos reis e Senhor dos senhores!- resolveu humilhar-se para descer ao teu nível, graciosamente te quis escolher dentre as ovelhas do seu rebanho, para seres um dos seus amigos especiais[63].
Em reconhecendo depois, a própria condição em que o homem se encontra, qual seja: condição de pecado[64]. Segundo Santo Agostinho, o pecado está em “falar, agir ou desejar contra a lei eterna” [65]. O pecado é sempre um delito sob o qual Deus confere um juízo[66]. Portanto, o homem humilde é aquele que reconhece em suas práticas, a transgressão da lei e confessa a Deus os seus pecados. Reconhecendo sua fraqueza e pobreza. Como diz Vargas: “tal reconhecimento da condição de pecador só é possível por meio da humildade; a confissão é a primeira manifestação e um primeiro passo no caminho da humildade” [67].
Um exemplo de humildade, segundo Agostinho, seria o de Fausto, o bispo dos maniqueus, que sendo arguido sobre assuntos que não se sentia capacitado a responder, admitiu tal incapacidade. Cito-o no item d sobre a soberba.
Humilde seria também aquele que sem pretensão alguma, aceita Cristo como mediador entre Deus e os homens[68]. O homem não deveria jamais ser soberbo, arrogando a si mesmo os méritos por chegar até Deus, antes, deveria seguir o exemplo de Cristo, que sendo igual a Deus tornou-se coparticipante da condição pecadora do homem ou, para usar uma expressão agostiniana, coparticipante “da túnica da nossa carne” [69].
O pecado, embora não prejudique a Deus, por estar Ele tão acima, no alto, sempre prejudica aquele que o comete. Ao contrário do pecado, fruto do orgulho individual, “É pela piedade humilde que se vai até Vós, para purificardes os nossos maus hábitos” [70]. Nas palavras de Vargas: “assim como a soberba leva o homem a ter um coração altaneiro, que se crê capaz de ser justo por força própria, a humildade, ao contrário, o leva a ter um coração que se rebaixa pela contrição” [71].
A humildade aproxima o homem de Deus, sendo o remédio mesmo, que cura a soberba humana. Cristo é, pois, “o Médico Humilde” [72]. A soberba, portanto, seria oriunda de Adão e a humildade, de Cristo[73]. Aquela, o principio da exterioridade, esta, da interioridade[74].
Outrossim, em A Nuvem do Não-Saber, humilde é o homem que reconhece a condição miserável na qual se encontra, simplesmente pelo fato de existir. Como ensina o cartuxo anônimo: “Quem sente maior desgosto é quem está consciente de existir. Qualquer outro sofrimento, comparado com a consciência de existir, é como uma brincadeira de crianças” [75]. A condição humana para o cartuxo desconhecido é pois, pecado, e a humildade está em reconhecer esta fétida condição. Como admoesta o cartuxo:
A humildade nada mais é do que a verdadeira consciência de nós mesmos tal como somos. Não há duvida: quem fosse capaz de se ver e sentir a si próprio tal como é, seria verdadeiramente humilde. E são duas as causas da humildade: uma é a impureza, miséria e fragilidade do ser humano, em que ele caiu pelo pecado (esta sempre há-de sentir em certo grau, enquanto permanecer nesta vida, por mais santo que seja); outra é a excelência de Deus em si mesmo e seu amor superabundante[76].
Gilson define humildade como sendo “o reconhecimento da soberania divina e a dependência absoluta das criaturas[77]”. Para o cartuxo, haveria dois tipos de humildade: a perfeita e a imperfeita.
Aquela, quando causada por Deus mesmo e esta, quando causada por outra coisa que não apenas Deus. A primeira seria perfeita, pois duraria por toda eternidade, ao passo que a segunda, imperfeita, pois termina ao cabo desta vida terrena. Ainda assim, adverte o cartuxo, que mesmo quando imperfeita, a humildade deve ser exercida, pois é boa (embora não tão boa quanto a que é perfeita)[78].
O cartuxo anônimo aconselha o discípulo a prestar atenção àquilo que não tem, ao invés de voltar a atenção àquilo que tem, a fim de manter-se humilde[79]. Seria impossível conservar a humildade perfeita sem a outra, a imperfeita[80]. Humilde é também o discípulo que ouvindo o diretor espiritual, o obedece, bem como obedece as normas da Santa Igreja e o diretor espiritual[81]. Assim, evitando muitos enganos.
Sobre isto, adverte o cartuxo anônimo: “E se não se acautelar [contra os enganos] logo de início, de modo que a graça de Deus o faça parar e submeter-se humildemente à direção espiritual (...)” [82]. E ainda:
(...) podemos considerar-nos também nós dois, se o nosso diretor espiritual e a nossa consciência atestam que tomamos licitamente a devida emenda, pela contrição, confissão e satisfação das nossas faltas, segundo os estatutos e normas da Santa Igreja (...) [83].
Ademais, existe um modo muitíssimo mais eficaz de se alcançar a perfeita humildade que não seja a recordação das faltas e pecados passados. Qual seja: a perfeita humildade advinda da graça mesma, sem mérito algum de nossa parte. É assim que se justifica a perfeita humildade dos santos, como Cristo, Maria e também dos anjos[84]. Vale frisar que tanto para o monge cartuxo como para Agostinho, recordar as faltas passadas, é um modo de se achegar a Deus. Muito embora um modo ainda imperfeito, pois baseado no esforço e mérito pessoal ao invés de na graça imerecida de Deus [85].
Há ainda outro exemplo de humildade mencionado pelo cartuxo anônimo, que não é Cristo, mas Beseleel. Beseleel, que não pôde ver a Arca senão após construí-la com o próprio esforço. Identificando-se com a personagem, o cartuxo diz ao jovem discípulo que a exemplo de Beseleel, ele (o cartuxo) está ensinando o caminho de contemplação e humildade de Cristo, muito embora o jovem discípulo o possa percorrer e trabalhar nele com muito mais mérito que o próprio cartuxo anônimo[86].
CONCLUSÃO
Tanto nas Confissões de Agostinho, como em A Nuvem, de um autor desconhecido, a soberba é tida como um pecado a se evitar, sendo seu contraponto, a humildade, uma virtude a se buscar. Não é ignorada a noção medieval de que a soberba consiste no maior de todos os sete pecados ditos, capitais, que compõem todo o imaginário medieval[87]. Muitos pensadores falam disto, inclusive Santo Agostinho em uma de suas obras o diz explicitamente[88].
Em contraposição ao pecado da soberba, e na extremidade oposta, se encontra a humildade. Uma virtude a ser buscada e talvez a maior de todas as virtudes cristãs. A humildade colocaria o homem em sua justa posição em relação ao cosmo, em relação ao seu semelhante e em relação a Deus. A soberba, por seu turno, retiraria o homem de sua adequada posição frente ao cosmo, ao seu semelhante e a Deus, colocando-o equivocadamente, acima de todas as coisas.
A humildade consiste em o homem saber com justeza o lugar que ocupa no universo criado, qual seja: abaixo de Deus e dos anjos, acima dos animais e vegetais e em pé de igualdade com os demais homens. Mas mesmo se o homem, por exemplo, se puser abaixo dos animais ou vegetais, segundo a ordenação do universo estabelecida por toda a tradição cristã, tal homem não está sendo humilde, mas pecando. Pois a humildade não está em ser menor, e sim, em saber com justeza aquilo que se é.
A soberba ao contrário da humildade, consiste em o homem não saber o lugar que ocupa no universo criado, arrogando para si próprio um lugar que não é seu. Não respeitando a ordem criada, pondo-se acima dos anjos ou de Deus
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VILLER, M. et al. Dictionnaire de Spiritualité. Paris: Beauchesne, 1953.
[1] Mestre em filosofia pela PUC-SP.
[2] Cf. ANÔNIMO DO SÉCULO XIV. A Nuvem do Não-Saber, Trad. D. Lino Correia Marques de Miranda Moreira. Petrópolis: Ed. vozes, 2008, cap. X, p 58.
A partir deste ponto, toda vez em que for mencionada esta obra, usarei a abreviatura: A Nuvem.
[3] MAJORANO, S. In: BORRIELLO, L. e outros. Dicionário de Mística. São Paulo: Paulus: Edições Loyola, 2003, p. 979.
[4] Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Bosi, Alfredo e Benedetti, Ivone Castilho. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 520; Cf. Confissões,, livro VII, p. 167.
[5] Cf. MAGRASSI, M. In: BORRIELLO, L. e outros. Dicionário de Mística. São Paulo: Paulus: Edições Loyola, 2003, p. 513.
[6] Segundo Majorano “Na linguagem corrente, o orgulho é identificado com a soberba, assumindo conotação ética particularmente negativa” (MAJORANO, S. In: BORRIELLO, L. e outros. Dicionário de Mística. São Paulo: Paulus: Edições Loyola, 2003, p. 807).
[7] Cf. AGOSTINHO. Confissões. 11 ed. Porto: Ed. Livraria Apostolado Imprensa, sem data, livro X, p. 281.
A partir deste ponto, toda vez em que for mencionada esta obra, usarei a abreviatura: Confissões.
[8] Cf. Confissões, livro X, p. 282-284.
[9] Cf. Confissões, livro X, p. 285.
[10] Cf. Confissões, livro X, p. 285.
[11] Cf. Confissões, livro I, p. 39-40.
[12] Cf. A Nuvem, cap. XXVIII, p. 93-94.
[13] Cf. A Nuvem, cap. XLV,, p. 125.
[14] Cf. A Nuvem, cap. LII, p. 140-141.
[15] Cf. A Nuvem, cap. LVI, p. 149.
[16] Cf. A Nuvem, cap. LVII, p. 151-152.
[17] Cf. Confissões, livro II, p. 58.
[18] VARGAS, Walterson José. Soberba e Humildade em Agostinho de Hipona. Tese de doutorado. USP: São Paulo, 2011, p. 174.
No Diálogo sobre o Livre-Arbítrio, Agostinho diz expressamente: “O inicio do pecado é a soberba e o inicio da soberba é afastar-se de Deus” (AGOSTINHO. O Livre-Arbítrio. Trad., int. e notas Antônio Soares Pinheiro. 3º Ed. Braga, 1998, p. 265).
[19] Cf. Confissões, livro II, p. 61.
[20] VARGAS, Walterson José. Soberba e Humildade em Agostinho de Hipona. Tese de doutorado. USP: São Paulo, 2011, p. 186.
[21] LEWIS, C.S. Cristianismo Puro e Simples. Trad. Álvaro Oppermann e Marcelo Brandão Cipolia. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 45.
[22] Cf. VARGAS, Walterson José. Soberba e Humildade em Agostinho de Hipona. Tese de doutorado. USP: São Paulo, 2011, p. 187.
[23] Cf. GILSON, Étienne. O Espírito da Filosofia Medieval. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 367-368.
[24] MAJORANO, S. In: BORRIELLO, L. e outros. Dicionário de Mística. São Paulo: Paulus: Edições Loyola, 2003, p. 980.
[25] Cf. MAGRASSI, M. In: BORRIELLO, L. e outros. Dicionário de Mística. São Paulo: Paulus: Edições Loyola, 2003, p. 513.
[26] Cf. Confissões, livro V, p. 114.
[27] Confissões, livro V, p. 112.
[28] Cf. Confissões, livro V, p. 111.
[29] Confissões, livro V, p.117.
Segundo Gilson, ser cristão nos primeiros séculos “era essencialmente manter-se a uma justa distância entre Manés, que negava a bondade radical da natureza, e Pelágio, que negava, juntamente com os ferimentos que ela recebera, a necessidade da graça para curá-la” (GILSON, Étienne. O Espírito da Filosofia Medieval. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 514).
[30] Cf. A Nuvem, cap. XIV, p. 65. O autor fala aqui sobre o conhecimento acerca do que seria a humildade perfeita.
[31] A Nuvem, cap. LVI, p. 149.
[32] Ibid.
[33] A Nuvem, cap. LVII, p. 152.
[34] Ibid.
[35] Cf. A Nuvem, cap. LXX, p.178; Cf. DIONÍSIO, PSEUDO-AREOPAGITA. Los nombres de Dieu. In: Idem, Obras Completas. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1996, p. 339.
[36] Cf. VARGAS, Walterson José. Soberba e Humildade em Agostinho de Hipona. Tese de doutorado. USP: São Paulo, 2011, p. 195-196.
[37] Cf. Confissões, livro VII, p.168.
[38] Na tradução de João Ferreira de Almeida, a citação encontra-se em I aos Romanos, 22; nas Confissões, o tradutor ressalta a passagem no corpo do texto, mas não indica nota em rodapé. Ver também: A Nuvem, cap. XIII, p. 62, onde o autor menciona a mesma passagem só que em contexto diverso. Enquanto Agostinho o faz por causa dos ídolos em oposição ao verdadeiro Deus, o cartuxo o faz por conta do amor superabundante de Deus e da débil condição humana.
[39] Cf. Confissões, livro VII, P.179-181.
[40] Utilizei o adjetivo humilde para piedade, pois embora Agostinho não o empregue, é notório que o fundamento da piedade seria uma disposição humilde. A disposição para a humildade viria primeiro, e dela, nasceria (depois), a piedade.
[41] Cf. Confissões, livro VII, p. 169-170.
[42] Cf. Confissões, livro VII, p. 179.
[43] Cf. Confissões, livro VII, X, p. 167, 281; BÍBLIA SAGRADA. Trad. João Ferreira de Almeida, Revista e corrigida. 76 ed. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1993, p. 265, 271.
Toda vez que for citada uma passagem bíblica estaremos utilizando a versão revista e corrigida por João Ferreira de Almeida, embora Agostinho provavelmente tenha lido a Vulgata Latina.
[44] Cf. Confissões, livro VII, p. 167; BÍBLIA SAGRADA. Trad. João Ferreira de Almeida, Revista e corrigida. 76 ed. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1993, p. 105.
[45] Cf. Confissões, livro VII, p. 168; BÍBLIA SAGRADA. Trad. João Ferreira de Almeida, Revista e corrigida. 76 ed. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1993, p.228.
[46] Mt 11;25.
[47] Cf. Confissões, livro VII, p. 168; Mt 11; 29.
[48] Cf. Confissões, livro VII, p. 168.
[49] Cf. A Nuvem, cap. II, p. 35
[50] Cf. A Nuvem, cap. XII, p. 61. As virtudes são a caridade e a humildade.
[51] Cf. A Nuvem, cap. XIII, p. 62.
[52] Cf. A Nuvem, cap. XV, p. 66-67.
[53] Cf. A Nuvem, cap. LII, p 140.
[54] Ibid., cap. LVII, p. 151.
[55] Cf. A Nuvem, cap.LXXIII, p. 182-183.
[56] Cf. Confissões, livro II, p. 61. Por simples, entenda-se também, humilde.
[57] Confissões, livro VI, p.138.
[58] Cf. VARGAS, Walterson José. Soberba e Humildade em Agostinho de Hipona. Tese de doutorado. USP: São Paulo, 2011, p. 211.
[59] VARGAS, Walterson José. Soberba e Humildade em Agostinho de Hipona. Tese de doutorado. USP: São Paulo, 2011, p. 226.
[60] Confissões, livro VII, 9, livro IV, p. 99: “Et descendit huc ipsa vita nostra”.
[61] Cf. VARGAS, Walterson José. Soberba e Humildade em Agostinho de Hipona. Tese de doutorado. USP: São Paulo, 2011,, p. 212.
[62]Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Bosi, Alfredo e Benedetti, Ivone Castilho. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 520; Cf. Confissões, livro VII, p. 167.
[63] A Nuvem, cap. II, p. 35.
[64] Em oposição ao humilde, “Para o orgulhoso, é particularmente difícil reconhecer-se pecador (...)” (MAJORANO, S. In: BORRIELLO, L. e outros. Dicionário de Mística. São Paulo: Paulus: Edições Loyola, 2003, p. 808).
[65] “Ergo pecatorum est, factum vel dictum vel concupitum aliquid contra aeternam legem” (AGOSTINHO, Cont. Faustum Manich, XXII, 27, PL, tomo 42, col 418).
[66] Cf. Confissões, livro X, p. 242.
[67] VARGAS, Walterson José. Soberba e Humildade em Agostinho de Hipona. Tese de doutorado. USP: São Paulo, 2011, p. 256.
[68] Cf. Confissões, livro VII, p. 176.
[69] Confissões, livro VII, p. 177.
[70] Confissões, livro III, p. 80-81: “Pietati humili reditur in te, et purgas nos a consuedutine mala et propitius es peccatis confidentium”.
[71] VARGAS, Walterson José. Soberba e Humildade em Agostinho de Hipona. Tese de doutorado. USP: São Paulo, 2011, p. 257.
[72] VARGAS, Walterson José. Soberba e Humildade em Agostinho de Hipona. Tese de doutorado. USP: São Paulo, 2011, p. 257.
[73] Ver o capítulo intitulado, Soberba: a vontade que afronta Deus, neste trabalho.
[74] Cf. VARGAS, Walterson José. Soberba e Humildade em Agostinho de Hipona. Tese de doutorado. USP: São Paulo, 2011, p. 268-269.
[75] A Nuvem, cap. XLIV, p. 123.
[76] A Nuvem, cap. XIII, p. 62.
[77] GILSON, Étienne. O Espírito da Filosofia Medieval. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 476.
[78] Cf. A Nuvem, cap. XIII, p. 63.
[79] Cf. A Nuvem, cap. II, p. 35.
[80] Cf. A Nuvem, cap. XIV, p. 64.
[81] Cf. OCCHIALINI, U. Direção Espiritual. In: BORRIELLO, L. e outros. Dicionário de Mística. São Paulo: Paulus: Edições Loyola, 2003, p. 332.
[82] Cf. A Nuvem, cap. XLV, p. 125.
[83] A Nuvem, cap. XV, p. 66. As expressões contrição, confissão, faltas, sugerem/apontam para a humildade, embora o autor não empregue o termo propriamente neste trecho.
[84] Cf. A Nuvem, cap. XV, p. 67.
[85] Cf. Confissões, livro II, p.53; Cf. A Nuvem, cap. XV, p. 66.
[86] Cf. A Nuvem, cap. LXXIII, p. 182-183.
[87] Colocar referência.
[88] Cf. AGOSTINHO. O Livre-Arbítrio. Trad., int. e notas Antonio Soares Pinheiro. 3º ed. Publicações da Faculdade de Filosofia da UCP: Braga, 1998, p. 265.