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A teoria da intencionalidade de Franz Brentano: alguns aspectos polêmicos

Luiz Meirelles

Mestre em Filosofia - PUCSP

Neste breve artigo, abordaremos a teoria da intencionalidade de Franz Brentano, dando maior enfoque a alguns pontos mais polêmicos, os quais foram tratados ao longo do curso ministrado pelo Professor Doutor Mário Ariel Gonzalez Porta, no segundo semestre de 2001, no curso de Mestrado/Doutorado da PUCSP.

 

I – Brentano e a teoria da intencionalidade

A teoria da intencionalidade de Franz Brentano criou grandes controvérsias e gerou muitos mal-entendidos.  Para entendermos um pouco de sua teoria, vamos, inicialmente, trazer um pouco de sua obra Psicologia do ponto de vista empírico, onde ele traça os principais pontos de sua teoria.

De início, Brentano trata da noção e objeto da ciência psíquica. Discorda da visão de Locke, qual seja, a de que a psicologia é uma análise química da personalidade, uma vez que acredita não ser possível usar os mesmos critérios para observação das experiências internas e dos demais objetos. Filia-se ao pensamento de Aristóteles, no tocante à definição da psicologia como ciência da alma, mas alerta que, como o próprio Aristóteles já havia apontado, é preciso redirecionar a pesquisa, aperfeiçoá-la.  Vale aqui, pois, lembrar que para Aristóteles, a alma é a forma do corpo que tem a potencialidade da vida, é um princípio informador do corpo e que lhe dá a potencialidade da vida.

Para Brentano, a psicologia funda-se na percepção e na experiência, e sua fonte primeira e essencial é a percepção interna dos fenômenos físicos, isto é, a consciência interna do conhecimento.

É importante notar que, para Descartes, a percepção interna é intuitiva, enquanto para Brentano é uma atitude reflexiva. E destaca, ainda, o autor, que se trata da percepção interna e não da observação interna como fonte primeira e indispensável da psicologia[1]. É que, conforme entende Brentano, a psicologia não pode contar com a observação interna nem externa, mas pode sim contar com a memória e exteriorização da vida psíquica, o que por sua vez ocorre por qualquer meio de comunicação (relatos, gestos, tato etc.). E, se por um lado a observação pode falhar, a percepção interna é infalível, posto que não há como não perceber, por exemplo, uma dor que se tem, a qual, entretanto, jamais poderá ser observada pelo próprio sujeito. Nesse sentido, ressalta Brentano: “Nós encontramos, como primeira fonte, a percepção interna, que apresenta o inconveniente de jamais poder se transformar em observação”.[2]

A seguir, Brentano trata das tarefas na psicologia, estabelecendo, fundamentalmente, que a primeira delas é especificar com precisão os fenômenos mentais.

Para isso, faz-se necessário a determinação de leis, as quais são primeiramente postas empiricamente, e somente com o uso dos métodos indutivo e dedutivo pode-se chegar às leis universais. Por isso, Brentano discute a possibilidade de a Psicologia ser ciência, e mesmo admitindo-a, discute, então, a possibilidade de torná-la uma ciência autônoma.

Merece destaque, no entender de Brentano, o argumento positivista, de Auguste Comte, de que a psicologia não pode ser uma ciência autônoma porque uma ciência não pode valer-se de métodos interpretativos.

Entretanto, Brentano acaba por defender a autonomia da psicologia sob o argumento de que o método não é de introspectivo, que seria a observação interna, mas sim o de percepção interna. Estabelece, assim, a Psicologia do ponto de vista empírico. Admite, pois, Brentano, a Psicologia como ciência autônoma e que existem fenômenos psíquicos. Aliás, nesse sentido, afirma: “O mundo inteiro de nossos fenômenos se divide em duas grandes classes, a classe dos fenômenos físicos e aquela dos fenômenos psíquicos”.[3]

Diante dessa posição, é preciso delimitar, então, o que é físico e o que é psíquico, e de que modo ocorrem os fenômenos físicos e os psíquicos. Para isso, impende aclarar o problema da representação, entendendo-se representação como ato de representar. Toda representação, consoante defende Brentano, é um fenômeno psíquico, o qual pode advir da imaginação ou da sensação. Há que se fazer, entretanto, a distinção entre o que é representado e o próprio ato de representar (representação). Este último é psíquico, mas o que é representado é físico. Essa distinção, contudo, ainda não satisfaz Brentano, que, diferentemente, vale ressaltar, mais uma vez, de Descartes e Kant, que consideram os fenômenos psíquicos como aqueles destituídos de extensão, determina-os como aqueles que contêm em si algo de maneira particular, exemplificando: raiva, amor, ódio, desejo, audição, visão etc. Ao passo que os fenômenos físicos podem ser exemplificados como uma paisagem, uma cor, uma figura, um som, o frio, o calor etc. Sua divergência de Descartes e Kant, explica, parte do fato de que a partir do critério deles só se poderia definir fenômeno psíquico negativamente, isto é, o que não tem extensão, o que é inaceitável.

Fica clara, assim, a diferença entre as duas classes, mas para tornar ainda mais nítida essa distinção podemos dizer, por exemplo, que o som é um fenômeno físico, mas ouvir o som é um fenômeno psíquico. Por outras palavras, podemos entender, ainda, que o ato de representar é psíquico, enquanto o conteúdo representado é físico.

Esse caminho percorrido por Brentano encontra suas origens no pensamento escolástico, em que o fenômeno psíquico era tido como uma  intra-existência (ou inexistência) mental de um objeto. E, importa, pois aclarar, objeto  no sentido de relativo a um conteúdo, em direção a um objeto, ou objetividade imanente.[4]

Brentano faz, portanto, uma retomada da teoria escolástica da "existência intencional", à qual ele denomina "objetividade imanente". Segundo ele, no fenômeno psíquico, está presente uma "direção da mente para um objeto", a pessoa "vê alguma coisa". Defende, assim, que, fundamentalmente, a mente sempre se refere a algum objeto, e pode ser de três formas:

  1. a) por percepção e idealização, incluindo sensação e imagem.
  2. b) por julgamento, incluindo atos de reconhecimento, rejeição, e recordação; e

3) por amor ou ódio, o que leva em conta desejos, intenções, vontade e sentimentos.

Conforme se depreende, destarte, do acima exposto, para Brentano a consciência é sempre intencional, vale dizer, sempre é consciência de algo, sempre tem um objeto correlato. Aqui, é importante ressaltar: objeto correlato não quer dizer uma coisa física real, mas sim aquilo a que se refere à consciência.

Os fenômenos psíquicos, segundo Brentano possuem como característica peculiar fundamental precisamente essa in-existência intencional de seu objeto em si mesmos.

Devemos, então, estabelecer o que se entende por intencionalidade: a capacidade de o pensamento humano dirigir-se a objetos externos. Não se trata aqui, como se vê, de intencionalidade no sentido de proposital, mas no de conter um sentido lógico.

Em seguida, é importante ressaltar que ato, em fenomenologia, não quer dizer propriamente atividade, mas, sim, oposição à potência, no sentido aristotélico.

O ato psíquico, portanto, é um ato intencional, e significa a atualização de um estado mental. O estado mental, pois, pode ser atual ou não-atual.

 

II – O problema da intencionalidade

Para entender o pensamento de Brentano, faz-se mister abordar duas teorias da intencionalidade: a teoria do objeto e a teoria do conteúdo.

Para tratarmos dessas teorias, devemos, primeiro, ter bem claro que o termo “objeto” é ambíguo e tem dois significados. Pode referir-se à coisa fora da consciência ou ao correlato da consciência. Brentano utiliza-o em seu segundo sentido.

A teoria da intencionalidade apresenta três grandes problemas que não podem deixar de ser abordados.

  1. a) Relação a objetos não-existentes;
  2. b) Relação a um mesmo objeto em dois sentidos diferentes;
  3. c) Como distinguir as espécies de relações: - relação a um indivíduo conhecido; relação a algum indivíduo que acontece para satisfazer o conteúdo de um ato.

Para Brentano, intencionalidade é exatamente a compreensão de um objeto. Um ato, pois, só é intencional se tiver um objeto.

Para resolver essa questão, Höfler propõe a distinção entre coisa e objeto. E o faz da seguinte maneira : coisas  são entidades existentes independentemente; objeto é a imagem da realidade, existente em nós. É o que poderia ser chamado de signo.

O objeto, assim, corresponde ao conteúdo da representação que está no sujeito. Estabelece, portanto, uma teoria do conteúdo.

O conteúdo pode ser denominado sentimento ou desejo. É o objeto imanente ou intencional.

Höfler estabelece os seguintes conceitos fundamentais da teoria do conteúdo:

Ato, objeto e conteúdo.

Objeto: está fora da mente.

Ato e conteúdo: são intramentais.

Assim, estariam resolvidos os dois problemas:

  1. objetos não-existentes: não há objeto exterior, nesse caso.
  2. Dois conteúdos para um mesmo objeto: é possível porque o conteúdo diz respeito ao sujeito e, pois, dois sujeitos podem formar imagens distintas de um mesmo objeto, resultando daí a existência de dois conteúdos.

Percebe-se, aí, contudo, que há uma desvio da teoria de Brentano, pois ele fala em objeto e não em conteúdo. Quem vai tentar solucionar o problema da teoria do objeto, mantendo-se fiel ao princípio de Brentano é Twardowski. Para isso, diferencia conteúdo de objeto.

Quando o objeto é representado ou julgado, surge uma terceira “coisa”, além do ato psíquico e seu objeto. É o signo do objeto, sua imagem mental quando é representado e sua existência quando é julgado. E vale o exemplo de Twardowski:

Uma paisagem pintada numa tela:

O ato de pintar é a representação;

A imagem é o conteúdo;

A estampa é o objeto.

Para Twardowski, o conteúdo sempre existe, ao passo que o objeto nem sempre, pois eles têm propriedades diferentes. Assim, deve-se concluir que são distintos e podem existir vários conteúdos para um mesmo objeto, caso em que ele denomina como representações equivalentes.

 

III – A questão da imanência

Outro ponto polêmico na teoria da intencionalidade de Brentano é a questão do objeto imanente. À primeira vista, todos tendem a interpretar imanente como interior. Entretanto, Brentano é taxativo ao afirmar que “quando eu falei de um objeto imanente, eu acrescentei a expressão imanente, para evitar um mal entendido, pois alguns chamam objeto (objekt) ao que está fora do espírito”.[5] É evidente que Brentano não se refere a um objeto nem dentro nem fora da consciência. Refere-se, sim, a um objeto correlato ao ato intencional. Nesse sentido, continua: “Eu, ao contrário, falei de objeto da representação, o qual corresponde [a esta], ainda que não lhe corresponda nada fora do espírito”.[6] Fica claro, aqui, que o autor utiliza o termo objeto no sentido medieval, como correlato e não como coisa.

Na seqüência, Brentano especifica ainda mais o seu entendimento, ao defender que o objeto imanente não é a coisa representada, mas, sim, a própria coisa.

Quanto às coisas inexistentes que o homem representa, o autor explica que “Aquele que representa tem algo como objeto, sem que por este fato, por tal razão, esse algo seja.”[7]  É que o pensamento do homem não fica restrito, evidentemente, apenas às coisas existentes no mundo exterior.  Parece-nos claro que o homem possa pensar coisas inexistentes no mundo. É o caso, por exemplo, do quadrado redondo, ao enunciá-lo, o homem tem um objeto correlato, mas não existe uma coisa com essas características.as quais sssprimeira fas na psicologia estabelecendo, de ar em observaç obra  sua obra intitulada

 IV – Bibliografia

CAVALLIN, Jens. Content and Object. Kluwer Academic Publishers. 1997.

BRENTANO, Franz. Carta a Marty. 1905.

________________ Psychologie du point de vue empirique. Éditions Mantaigne. Paris. 1944.

 

 

[1] BRENTANO, Franz. Psycologie du point de vue empirique. Pág. 48.

[2] Idem. Pág. 60.

[3] BRENTANO, ob cit., pág. 92.

[4] SAJAMA & KAMPPÏNEN. Introdução Histórica à Fenomenologia.Pág. 27.

[5] Carta de Brentano a Marty, 17/03/1905.

[6] Idem.

[7] Idem.