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Política – uma relação  de Justiça?

 

Desde o primeiro número, tenho escrito sobre a necessidade de uma re-construção  dos pilares sustentadores da nossa sociedade, sempre ancorando-me, entre outros, no expoente contemporâneo, Enrique Domingo Dussel, fundador da Filosofia da Libertação.  Na primeira edição abordamos a necessidade de firmarmos, cada vez mais, uma filosofia latino-americana legítima e autêntica. No segundo momento, tratei da questão fundamental para esse proceso, a re-visão  do sentido de Logos, que, na filosofia ocidental assumiu o significado de unidade, ao passo que originariamente, no hebraico, como demonstra Dussel, significa, sobretudo, diálogo. Assim, passei, então, a análise das relações humanas que se firmaram ao longo da história, mas adotando o sentido hebraico de Logos. Por esta razão, trouxe a “Relação familiar: a primeira re-construção necessária para realização da justiça”, quando vimos que a relação de alteridade começa com a erótica, que proporciona o nascimento do outro e passa pela pedagogia, que consiste no processo de conscientização do outro para que possa deliberar e decidir bem suas escolhas e culmina, cabe expor, com a relação entre os membros da sociedade como um todo, qual a seja a relação política, última fase do processo analético.

Aqui a relação sai do âmbito familiar e passa ao mais distante, ou mais dis-tinto:

"O face-a-face do irmão diante do irmão, o cidadão diante do cidadão, o operário diante do operário, cuja originária e suprema posição é o Eu-o Outro fraterno..."  

Nesse distanciamento, partimos do irmão e chegamos ao mais dis-tinto e dis-tante, o inimigo, o estrangeiro, o pobre. É, portanto, um processo de abertura da totalidade, um caminho que vai do mesmo para a máxima alteridade. E é nessa situação limite, em que alguém se abre ao inimigo que necessita de ajuda, que percebemos o amor-de-justiça. É ir além do horizonte da visão, numa abertura ao misterioso, ao incompreensível. E a instauração do diálogo é o que permitirá essa superação do visível, que exige, necessariamente a con-fiançametafísica no outro,  que se traduz pela benevolentia , isto é, o querer bem ao outro. Para que isso seja possível, é fundamental o respeito ao outro enquanto tal, com seus pro-jetos e dis-tinções, bem como servir-lhe sem esperar qualquer benefício em troca, sem esperar que o outro  lhe preste algo de sua alteridade. Por isso podemos inferir, é fundamental ouvi-lo para poder servi-lo. Assim, esse processo metafísico altérico funda a paz, o amor, ao contrário do sistema totalitário, que funda o domínio, a escravidão e as culturas dependentes.

Destarte, para que possamos encontrar uma sociedade em que impere a justiça e a paz, impende a adoção de uma metafísica da alteridade, que supere o mesmo e sua totalidade dominadora, fundando a amizade, o amor-de-justiça. Insistindo no desvio ontológico em que o homem se encontra, continuaremos nesse sistema totalitário que divide o mundo em centro e periferia, dominantes e dominados, exploradores e explorados, opressores e oprimidos, e ainda, aliados ou inimigos dos E.U.A., que ditam as ordens como se fossem a expressão do Estado supranacional aventado por Hegel.

Para abrir esse sistema totalitário em que estamos, Dussel  aponta a necessidade de um processo de conscientização das classes operárias das nações periféricas, as quais devem-se unir e trabalhar para romper essa totalidade alienante e, assim, poderem manifestar sua liberdade real de escolha de suas possibilidades ônticas:

"A ontologia da Totalidade e de "o Mesmo" é uma filosofia da guerra; pretendemos aqui, ao contrário, propor os fundamentos de uma meta-física ou ética da paz; mas não há paz sem alteridade, e não há alteridade autêntica sem a violência justa que abre a Totalidade fechada e injusta à Alteridade negada: "bem-aventurados os artífices da paz..."(Mateus,5,9)."Enrique Dussel, in “Para uma Ética da Libertação Latino-Americana”.

Neste sentido, Dussel lembra-nos que a América Latina foi a primeira situação de manifestação, na Modernidade, da "vontade de poder" do homem europeu, advindo do cogito ergo sum, e que se traduziu pela vontade conquistadora ou dialética. Por isso foi sempre natural apropriar-se dos povos americanos, como se não fossem “seres pensantes”, como se fossem apenas mais um instrumento para a afirmação do ego europeu.

Obviamente para a realização dessa vontade, alguém deve ser o dominado, o conquistado, e não foram outros senão os povos latino-americanos, que acabaram por formar culturas dependentes do europeu, ou seja, num movimento opressor de fora para dentro.

Até quando os latino-americanos e outros povos oprimidos ficarão silentes, aceitando a condição de fome e miséria?  Até quando toleraremos o gasto de bilhões de dólares em armamentos, numa indústria que produz a guerra para que tenha razão de existir, enquanto milhares de seres humanos morrem às moscas? Até quando admitiremos a divisão da humanidade em espécies de 1ª. , de 2ª.  e de 3ª categorias?

Em meio a tantas incertezas, uma convicção: enquanto permitirmos que, mesmo na periferia em que vivemos, fortaleçam-se redomas de pseudo-intelectuais que assumem o poder político interno a serviço dos 7 monarcas do mundo, que teimam em fazer prevalecer um sistema que se sustenta pela exploração do Outro, estaremos condenados à condição de massa consumidora, de última classe, é claro...

 

 

 

Luiz Meirelles,

Bacharel em Direito e Licenciado em Letras e Filosofia (Unisantos);

Mestrando em Filosofia (PUC/SP) ;

Presidente do Centro de Estudos Filosóficos de Santos–CEFS

 

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