NIETZSCHE, o novo milênio e a humanidade
Apesar de estarmos num novo século, na entrada de um novo milênio, ainda temos muito que se rever.
Até hoje, desconfiávamos que os homens da atualidade aprenderam com os homens do passado. Ledo engano essa nossa idéia. Isso infelizmente não é verdade e nem há como disfarçar essa afirmação. Num mundo que é por nós, seres humanos, intitulado como “mundo globalizado”, devíamos pensar mais no legado que toda essa high-tech que criamos para nos perpetuarmos para as próximas gerações, está de fato, deixando para os tais descendentes desses milênios vindouros. Se víssemos homens vindos de Portugal, por exemplo, como vimos nos quadros que homens do passado nos deixaram, chegando hoje em qualquer que fosse o local desse mundo, não deixaríamos acabar com essa nova civilização,certo? Não tenho certeza alguma se lhes disser sim. Vejamos, por exemplo, o povo afegão. Mortos por todos os lados, de fome, de cansaço de andar, de sede e muito mais que isso; fronteiras fechadas não só para o povo, mas, também, para a tal solidariedade humana. A tão sonhada solidariedade conquistada no final do milênio passado, parece mesmo, ter sido filme nos dias de hoje. O Homem não acredita mais no próprio homem. As fronteiras fechadas para um povo faminto, doente e “crédulo”, não fazem parte nem de um mundo globalizado e muito menos de um Homem preocupado com sua própria espécie.
O povo afegão não tem para onde fugir, se refugiar e está “pagando” por alguns que nem sequer temos a certeza de estarem naquele território.
É difícil acreditar que pessoas que estão passando por tantas carências, tenham muito mais vontade de sobreviver e manter a espécie de que nós, Homens globalizados, Homens do Terceiro Milênio, que sequer abrimos as “fronteiras” para sedentos de alguma solidariedade.
Repensemos como animais racionais ou pelo menos como animais homens. O poder político é, sem dúvida, muito importante, mas só quando se tem a quem governar, e se subjugar a ele. Ao fundo está, pois o eterno dilema da liberdade humana.
No pensamento nietzschiano não há um tratamento sistemático da questão da liberdade. Talvez, apenas mediante a reunião de alguns aforismos possamos demonstrar a denúncia do poder da liberdade, sua grande coerção normativa, usufruída, por exemplo, pelo sacerdote e pelos moralistas. Mesmo que a liberdade resulte em uma “teoria cem vezes refutada”, não pode ser considerada uma postura inócua. Pelo contrário, tal noção evidencia uma efetividade notável nos discursos moralizantes. Por conseguinte, será uma tarefa prioritária, para o crítico da cultura, questionar a força que ela adquire na fala dos “melhoradores da humanidade”.
No primeiro momento, a liberdade apresenta-se como uma noção inserida nos discursos prescritivos, é uma qualidade dada ao homem, na direção de encaixá-lo num sistema de normas, fazendo com que possa ser julgado e submetido a prêmios e castigos. Os “melhoradores da humanidade” (sacerdotes, metafísicos e moralistas), usam este conceito para impô-lo ao “rebanho”, levando-o assim à obediência, à submissão às suas ordens, para reforçar seu direito de juiz e carrasco dos fiéis. É importante que os homens acreditem na liberdade, pois enquanto crêem que ela existe, podem ser julgados, castigados e responsabilizados por seus atos. Dessa forma, estão sempre “buscando” a liberdade, dentro do possível, para continuarem a tê-la garantida. Um homem determinado pelos instintos, impulsos, forças naturais, não poderia ser julgado pelo resultado de suas ações.
Interessante notar que, refrear os impulsos é algo bem típico de quem quer comandar, pois conhece tais impulsos tão bem que sabe onde pode levar seu dono e, conseqüentemente, levar também a idéia, o conceito que tem o “rebanho” a seu respeito. O livre-arbítrio pode resumir-se na proposição “tu deves“ e “eu posso te julgar e condenar”.
Para Nietzsche, a liberdade, de início, é como uma noção vazia que teve grande influência na tradição filosófica e religiosa. Por que será que determinadas sociedades adotaram a geração dessa doutrina da suposta autonomia do homem? Esta é a pergunta que Nietzsche faz para ele mesmo, e que o instiga a ir atrás das origens e não da validade dessa teoria ou de seus méritos. Em resumo, ele quer saber onde, como e em que condições apareceram, bem como tenta especificar por que uma teoria, tantas vezes criticada, ainda tem vigência, influenciando as condutas até hoje. Parte desta questão para chegar à descoberta do seu fio condutor nesta tarefa: o questionamento da natureza dos “ideais”, ou seja, a liberdade será criticada pelo seu caráter “falso”, pela sua profunda capacidade de iludir e seduzir as pessoas com promessas do “além”. Note a importância de vermos a crítica de Nietzsche ao caráter ficcional da liberdade. Importante notar, também, em que sentido ele contestará o livre-arbítrio devido ao seu aspecto “ilusório”.
Observemos que a liberdade não é um conceito isolado, já que integra um conjunto de noções que garantem o controle exercido pelos moralistas e pelos religiosos. A crítica do arbítrio adota uma estratégia mais abrangente, no sentido de questionar todas as noções das doutrinas formativas. O estudo genealógico visa mostrar as circunstâncias completas em que surgiu a compreensão moral da conduta humana. Este método, o genealógico, permitirá, elucidar “quem fala” em liberdade e “porque fala” em liberdade. Ao assinalar o interesse concreto, o afeto específico que gerou esta noção, poderá questionar seu poder coercitivo. Ao demonstrar que a liberdade, distante de ser um atributo “espiritual”, consiste em um meio, um instrumento do poder sacerdotal, a sua eficácia poderá ser desativada. Até aqui, pretendeu-se mostrar ao leitor que a linguagem pode, tal e qual a moral, dar ao homem a idéia de domínio da realidade do tempo e a noção de livre-arbítrio, seguidos da sensação de liberdade. Após ver a proposta de “leitura de mundo” sugerida por Nietzsche, pode sentir-se e entender-se como um prostituído consciente é capaz de usufruir desta prostituição ao seu favor e contra a sociedade, ou prostituir-se contra si próprio e a favor da sociedade. Neste caso último, temos presente o homem “fraco pessoalmente” e o homem “forte moralmente” segundo a visão moral-sacerdotal.
E nós, Homens do terceiro milênio, nos “encaixamos” onde: no pensamento do “louco” filósofo do porvir, Nietzsche ou do lado moral-sacerdotal dos “poderosos”? Resta ainda alguma chance de deixarmos para aqueles que permitirmos vir a esse mundo, uma atitude instintivamente humana.
Cristiane Guapo
Licenciada em Filosofia - Unisantos
(Parte do texto extraída da Monografia de conclusão do curso de Filosofia)