Giordano Bruno: questões sobre o homem, o mundo e o universo
Giordano Bruno apresenta uma das teorias filosóficas mais complexas de todos os tempos e é assim tido, inclusive por Giovanne Reale. Escreveu sobre muitas questões, desde a magia até a matemática. Firmou-se como um místico em suas interpretações do mundo, mas sua principal contribuição veio na sua teoria da infinitude do Universo, em que apresenta, também, uma visão teológica panteísta.
Para Bruno, o homem jamais poderá conhecer Deus, posto que ele está além da capacidade do pensamento humano. Poderá, quando muito, conhecê-lo por seus vestígios, os quais se mostram no universo, razão pela qual mesmo esse conhecimento é precário, vez que o homem quase nada conhece do universo.
No seu entendimento, Deus está acima da esfera do nosso pensamento, sendo mais relevante chegar a ele pela revelação do que pela inteligência. E ainda, como primeiro princípio de tudo, Deus não só anima e informa o mundo, como também o dirige e governa. Como panteísta que é, Giordano Bruno considera Deus parte da natureza e princípio imanente a ela, bem como vê o mundo como animal, cuja alma é a sua forma, a qual possui como principal faculdade o entendimento ou inteligência universal, que dirige a natureza: “...e, por sua vez, a alma do mundo é a forma universal do mundo... O entendimento universal é a faculdade íntima, mais real e própria, é a parte mais potente da alma do mundo...iluminando o universo e dirigindo a natureza convenientemente...”(2).
Observa-se, ainda, que Giordano Bruno faz uma distinção entre príncipio e causa. Princípio é o início e nem sempre é causa. Por exemplo, o princípio de uma linha não é sua causa. Princípio é “aquilo que intrinsecamente concorre para a constituição da coisa e que permanece no efeito”(2). Causa é “aquilo que concorre, a partir do exterior, para a produção da coisa e cujo ser acha-se fora da composição...”(2).
A resposta para a questão do princípio, o autor encontra não em Aristóteles, como era comum na época, mas nos pré-socráticos, filósofos da natureza por excelência. Resgata a tese de Heráclito do ser e não-ser, criticando a tese aristotélica que, para ele, representava um movimento morto no nascedouro, pelo motor imóvel.
O movimento, para Giordano Bruno, é imanente a todas as coisas. O princípio anímico não advém de um outro, mas do próprio ser. Destarte, a matéria é animada por si, independente de uma causa inicial, primeira, o motor imóvel de Aristóteles ou o Deus criador da Filosofia Cristã. Deus, aliás, para Bruno, é imanente à natureza e corresponde à sua forma, é o principio do mundo, o intelecto universal, “é a primeira e principal faculdade da alma do mundo, a qual é forma universal daquele”(4).E a causa universal é a alma do mundo, a inteligência universal, que é extrínseca e intrínseca: “Extrínseca porque, como eficiente, não parte dos compostos nem das coisas produzidas...e é intrínseca quanto ao ato de sua operação”(2).
Para melhor entender o pensamento de Bruno, é preciso entender sua concepção de Universo: “O Universo é uno, infinito, imóvel. Una, afirmo eu, é a possibilidade absoluta, uno o ato, una a forma ou alma, una a matéria ou corpo, una a coisa, uno o ser, uno o máximo e supremo que não podem ser compreendidos; por isso que ele é indefinível e indeterminável e, portanto, não tem limite nem termo e, conseqüentemente, é imóvel... Não se corrompe, porque nenhuma outra coisa há em que ele possa transformar-se”(2).
Assim, temos o princípio intelectual do mundo, a sua alma, isto é, o princípio ativo. A matéria é o princípio passivo.
Admitindo a teoria copernicana, Giordano reafirmou que a terra não é o centro do universo, mas um minúsculo planeta entre uma infinidade de planetas e estrelas que povoam o espaço. Dizia que sendo Deus infinito e onipotente, não se contentaria em criar um mundo limitado. Segundo ele, o mundo é apenas um entre um número infinito de mundos particulares, semelhantes a ele, e todos os planetas e as outras estrelas são uma infinidade de mundos contidos num universo infinito, de modo que há uma dupla infinidade: a da grandeza do universo e a da multidão dos mundos, os quais são finitos.
Entende que o desenvolvimento histórico da verdade é um renascimento da verdade antiga, buscando nos pré-socráticos a maior parte das fundamentações de suas teorias, revelando-se um ferrenho opositor das idéias de Aristóteles.
Faz-se importante destacar a distinção entre mundo e universo, posto que o primeiro é “tudo o que existe de pleno e consta de corpo sólido; o universo não é somente o mundo, mas também o vácuo, o inane e o espaço fora dele”(1).
Como Parmênides, afirma que o todo é uma substância única e imóvel, que, como tal, já não é nem matéria nem forma porque é tudo, é o supremo, é o uno, é o universo.
Distingue ser (todo) de modos de ser (coisas). A reunião é o universo: “Assim, tudo o que constitui a diversidade dos gêneros... não é ser, mas condição e circunstância do ser e da essência. O ser é uno, infinito, imóvel, sujeito, matéria, vida, alma, verdade e bondade”(1).
O caminho, pois, para que o homem, particular, possa alcançar a unidade é mediante a consideração das coisas múltiplas, e para entender a unidade na multiplicidade e a multiplicidade na unidade, Giordano Bruno defende a tese do elemento mínimo, presente em tudo. Para ele o homem tem duas almas: a intelectiva e a sensível, que são inseparáveis do corpo, formando, assim, uma unidade. A respeito disso, Giordano Bruno escreve: “...não é lícito dizer que parte da alma se acha no braço, que parte da alma está na cabeça, mas, sim, que a alma se encontra na parte que é a cabeça, a substância da parte, ou na parte que é o braço”(1); “...embora percorrendo a escala da natureza, haja dupla substância: uma espiritual e a outra material (corporal) vós quereis, contudo, que uma e outra se reduzam a um (mesmo) ser e a uma mesma raiz. Teófilo: Sim”(1).
O homem tem uma liberdade imperfeita e sua escolha é contingente, pois é ignorante e imperfeito. Por conseguinte, deve proceder a uma ascese, cujo último degrau é, segundo o que se infere da teoria de Giordano Bruno, a identificação com a “res” e não com Deus, propriamente. Diante dessas contingências é que o homem torna-se “Deus” da natureza. É a valoração máxima do homem no Renascimento. A sua inteligência não lhe permite resignar-se com a finitude, razão pela qual busca o conhecimento absoluto, que será encontrado na própria natureza, pois estando Deus nela, assim como o homem, possui este o caráter divino e, portanto, a possibilidade de alcançar o infinito. Aliás, explica: “Vedes, assim, como todas as coisas estão no universo e o universo em todas as coisas; como nós estamos nele e ele em nós, de modo que tudo concorre numa perfeição de unidade. Eis, portando a razão por que não há nada que possa nos espantar... essa unidade é eterna... Os filósofos que descobriram essa unidade encontraram a sua amiga Sabedoria.”(1)
Diante dessas afirmações, a Igreja não titubeou em capturá-lo e condená-lo, pois se perguntava onde estariam a grandeza e a importância do homem, criado à imagem e semelhança de Deus, e onde ficaria o plano de salvação. Além disso, ele não aceitava a visão da Igreja de um universo de coisas fixas criadas por um Deus transcendente.
Importante destacar, enfim, uma frase que marcou sua resistência:
“só os espíritos fracos é que pensam com a multidão por ser ela multidão. A verdade não é modificada pelas opiniões do vulgo, nem pela confirmação da maioria”.
Luiz Meirelles
Mestrando em Filosofia-PUC/SP
Bel. em Direito e Licenciado em Letras e
Filosofia - Unisantos
Bibliografia:
(1) BRUNO, Giordano. Sobre o Infinito, in Os Pensadores, Editora Abril. 1978.
(2) BRUNO, Giordano. A Causa, o Princípio e o Uno. Editora Nova Estella, 1988, trad. Attilio Cancian.
(3) MONDIN, Battista. Curso de Filosofia, vol. II. Edições Paulinas. 1981.
(4) ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia, vol. III, Editorial Presença, Lisboa, 1969.
(5) REALE, Giovanni e ANTISERI, Dário. História da Filosofia, vol. II. Edições Paulinas, S. Paulo, 1991.