Notas sobre a ecologia política em Félix Guattari, Roger Scruton e Michael Löwy
Alan dos Santos
Doutor em Educação, Arte e História da Cultura (Mackenzie)
Docente da UNIMES e da UNOESTE
A proposta deste brevíssimo artigo é pensar o meio ambiente a partir de uma perspectiva filosófica e conceitual. Para isso, refletiremos a partir do pensamento de três filósofos contemporâneos que se detiveram ao tema: Félix Guattari, autor de As três ecologias (1990), pensador e ativista francês do final do século XX, alguém próximo dos movimentos autonomistas e o parceiro literário de Gilles Deleuze; Roger Scruton, autor de Filosofia verde: como pensar seriamente o planeta (2016), britânico, pensador identificado com a tradição conservadora; e, por fim, Michael Löwy, autor de Manifesto Ecossocialista Internacional (2014), pensador francês erradicado no Brasil, com pesquisas importantes sobre a interface entre surrealismo, profetismo e marxismo.
Não obstante as diferenças filosóficas e políticas entre os autores citados, os textos deles partem de um diagnóstico comum: estamos, na sociedade contemporânea, experimentando de uma crise ambiental sem limites; estamos degradando sobremaneira o nosso planeta; nossos processos político-econômicos e os modos contemporâneos de produção em massa pouco levam em consideração a preservação do planeta Terra, apesar de uma retórica simpática à preservação e à sustentabilidade. Esse é o diagnóstico que perpassa os três autores e textos filosóficos citados. A diferença entre os autores (e as diferenças são abruptas) fica evidente na proposição de superação desse impasse ecológico. Em outras palavras, os três filósofos identificaram um problema em comum, porém eles divergem no que se refere à resolução do problema; esse é o ponto.
O trecho abaixo de Michael Löwy (2014, p. 103), extraído do texto Manifesto Ecossocialista Internacional (presente no livro O que é ecossocialismo?), expõe de modo claro e notório o dilema ambiental que assola a contemporaneidade. Vejamos:
O século XXI se inicia com uma nota catastrófica, com um grau sem precedentes de desastres ecológicos e uma ordem mundial caótica, cercada por terror e focos de guerras localizadas e desintegradoras, que se espalham como uma gangrena pelos grandes troncos do planeta – África Central, Oriente Médio, América do Sul e do Norte –, ecoando por todas as nações. Na nossa visão, as crises ecológicas e o colapso social estão profundamente relacionados e deveriam ser vistos como manifestações diferentes das mesmas forças estruturais. As primeiras derivam, de uma maneira geral, da industrialização massiva, que ultrapassou a capacidade da Terra absorver e conter a instabilidade ecológica. O segundo deriva da forma de imperialismo conhecida como globalização, com seus efeitos desintegradores sobre as sociedades que se colocam em seu caminho. Ainda, essas forças subjacentes são essencialmente diferentes aspectos do mesmo movimento, devendo ser identificadas como a dinâmica central que move o todo: a expansão do sistema capitalista mundial (LÖWY, 2014, p. 103).
A citação acima descreve bem os principais aspectos da crise ambiental: ordem mundial caótica, focos de guerra generalizados, indústria massiva, produção em massa, globalização da produção e, mais importante, globalização da degradação ambiental. Para Löwy, esses aspectos aparentemente díspares se conectam na expansão do “sistema capitalista mundial”.
Para dar fim ou para amenizar a degradação ambiental relatada por Michael Löwy, os autores Roger Scruton e Félix Guattari propuseram saídas distintas. Para Scruton, a solução para o meio ambiente exige ações diárias e individuais. É mudando o nosso estilo de vida e nossas práticas diárias e cotidianas que solucionaremos os grandes e universais problemas ambientais. Ao que indica, a proposição de Scruton é mais ética do que propriamente política. A solução para os problemas estruturais da contemporaneidade recai mais uma vez na lógica simples do indivíduo e da individualidade. Scruton deposita suas esperanças na capacidade do “poder local” para a resolução de dilemas globais. Scruton é crítico do que chama de “globalismo do poder político”, representado por diferentes instituições transnacionais, sendo a Organização das Nações Unidas (ONU) a mais emblemática delas.
Por outro lado, na perspectiva de Félix Guattari, são necessárias mudanças estruturais nos processos políticos e econômicos para que superemos os problemas ambientais. Sem essa cooperação universal e sem uma mudança radical, Guattari não vislumbra soluções, mas agravamento da crise ambiental. Não deixa de ser curiosa essa reflexão de Guattari, uma vez que, ao lado de Deleuze, o ativista e pensador francês elaborou a noção de micropolítica, que dialoga com a concepção foucaultiana da microfísica do poder e de estratégias de resistência e de lutas políticas vinculadas ao território próximo, aos dispositivos específicos de poder, e não às concepções gerais de política e às formas generalizantes de poder (Estado, Capital, Igreja, etc...).
Vejamos, em primeiro lugar, a citação de Roger Scruton sobre a solução dos problemas ambientais através das práticas diárias e cotidianas:
Minha intenção é apresentar a questão ambiental em seu todo, incluindo suas ramificações. Para esse fim, apoiei-me na filosofia, psicologia e economia, como também nos escritos de ecologistas e historiadores. Proponho que as questões ambientais sejam enfrentadas por todos, na esfera das circunstâncias diárias, para que não sejam confiscadas pelo Estado. A solução será possível se as pessoas estiverem motivadas, e a tarefa do governo é justamente criar essas condições graças às quais a motivação adequada possa surgir e prosperar. Caracterizo essa motivação (melhor seria dizer um conjunto de motivações) como oikophilia, o amor que se tem pelo lar, e apresento as condições em que esse amor surge e o papel do Estado em sua acomodação. Defendo as iniciativas locais contra os esquemas globais, a associação civil contra o ativismo político e as fundações de pequeno porte contra as campanhas de massa. Consequentemente, o meu argumento é contrário ao que se vê em boa parte da literatura ambiental de nosso tempo, e talvez seja recebido com ceticismo por leitores que, não obstante, compartilham as mesmas preocupações centrais. Por essa razão, decidi explorar os princípios básicos do raciocínio prático e as formas como seres racionais alcançam, solidariamente, soluções que de outra forma não seriam tratadas de modo satisfatório – nem individual nem burocraticamente. Também critico as regulamentações de cima para baixo e os movimentos fixos e suas bandeiras, e vejo o problema ambiental como perda de equilíbrio, quando as pessoas cessam de compreender que compartilham um lar comum. Essa perda tem muitas causas, e o mau uso da legislação não está entre as menos importantes, assim como a fragmentação da sociedade controlada por burocratas (SCRUTON, 2016, p. 8-9).
Vejamos agora a citação de Félix Guattari através da qual podemos ler a proposta de uma mudança social e ambiental em escala planetária, antagonizando com as reflexões de Roger Scruton:
Não haverá verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais. Essa revolução deverá concernir, portanto, não só as relações de forças visíveis em grande escala, mas também aos domínios moleculares de sensibilidade, de inteligência e de desejo. Uma finalidade do trabalho social regulada de maneira unívoca por uma economia de lucro e por relações de poder só pode, no momento, levar a dramáticos impasses – o que fica manifesto no absurdo das tutelas econômicas que pesam sobre o Terceiro Mundo e conduzem algumas de suas regiões a uma pauperização absoluta e irreversível; fica igualmente evidente em países como a França, onde a proliferação de centrais nucleares faz pesar o risco das possíveis consequências de acidentes do tipo Chernobyl sobre uma grande parte da Europa. Sem falar do caráter quase delirante da estocagem de milhares de ogivas nucleares que, à menor falha técnica ou humana, poderiam mecanicamente conduzir a um extermínio coletivo. Através de cada um desses exemplos, encontra-se o mesmo questionamento dos modos dominantes de valorização das atividades humanas, a saber:
1. o do império de um mercado mundial que lamina os sistemas particulares de valor, que coloca num mesmo plano de equivalência os bens materiais, os bens culturais, as áreas naturais etc.;
2. o que coloca o conjunto das relações sociais e das relações internacionais sob a direção das máquinas policiais e militares (GUATTARI, 1990, p. 9-10).
Pois bem, vimos, através das citações acima, que há um certo consenso acerca dos problemas ambientais que assolam o mundo contemporâneo. Porém, há propostas de resolução diferentes para esse problema. Félix Guattari, alguém próximo de ideias revolucionárias (revolucionar as estruturas de poder, mas também o desejo), propõe uma mudança radical em escala planetária. Roger Scruton, identificado com o conservadorismo, propõe uma solução mais modesta: mudarmos os nossos hábitos cotidianos e ordinários. Scruton desconfia das propostas universais e prefere apostar no local, no próximo.
Enfim, trata-se de uma discussão contemporânea e sem resolução definitiva. O objetivo deste brevíssimo artigo foi colaborar e lançar visibilidade para esse debate sociopolítico respaldando-nos em algumas ideias filosóficas hodiernas.
Últimas considerações para um início de debate...
Iniciamos um movimento de investigação do meio ambiente a partir de uma perspectiva filosófica e conceitual. Não obstante as diferenças filosóficas e políticas entre os autores citados, Michael Löwy, Roger Scruton e Félix Guattari, os textos deles partem de um diagnóstico comum: estamos, na sociedade contemporânea, experimentando de uma crise ambiental; estamos degradando o nosso planeta; nossos processos político-econômicos pouco levam em consideração a preservação do planeta Terra. Esse é o diagnóstico que perpassa os três autores. A diferença entre os autores se dá na proposição de superação do dilema ecológico. Todos os três filósofos identificaram um problema em comum, porém, eles divergem na resolução do problema.
Para Michael Löwy, as crises ecológicas e o colapso social estão profundamente relacionados e deveriam ser vistos como manifestações diferentes das mesmas forças estruturais do capitalismo. Para Scruton, a solução para o meio ambiente se dá pelas ações diárias e individuais e pelo poder local. Segundo Guattari, precisamos de mudanças estruturantes nos processos políticos e econômicos e no regime de sensibilidade e produção de subjetividade para que superemos os problemas ambientais.
Qual trilha investigativa e política se apresenta mais frutífera e capaz de endereçar uma solução?
Referências bibliográficas
GUATTARI, Félix. As três ecologias. Campinas: Papirus, 1990.
LÖWY, Michael. Manifesto Ecossocialista Internacional. In: ______. O que é ecossocialismo? 2 ed. São Paulo: Cortez, 2014, p. 103-109.
SCRUTON, Roger. Filosofia verde: como pensar seriamente o planeta. São Paulo: É Realizações, 2016.