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Esboço sobre a questão epistemológica e a Filosofia da Educação

José Sobreira de Barros Júnior
Mestre em Filosofia - PUCSP

Todos nós na Educação sempre imaginamos algumas situações que, de uma maneira ou de outra, vivenciamos ao longo do nosso trabalho cotidiano; muitas vezes, um fato ou outro nos chama a atenção e nos leva a um processo de reflexão.

 

Vamos imaginar um exemplo bem concreto, facilmente já pode ter ocorrido ou foi presenciado por vários colegas educadores ao longo do seu tempo de trabalho enquanto educadores.

Vamos chamar nosso personagem de Armando, tem ele dez anos, é o quinto filho de uma família humilde, ainda está na quinta série, estuda em uma escola pública de uma prefeitura qualquer, e sistematicamente repetindo de ano, matemática e português são os seus martírios, sua professora; Dona Jurema fala: “não tem jeito, comigo ele não passa!”. Por outro lado, essa situação já provoca sérios problemas para a criança (seus irmãos, colegas, o chamam de “doente”), para dizer o mínimo do que é imputado a sua situação entre os amigos e irmãos maiores,  sua mãe fala que o filho “vai na padaria e trás o troco direitinho, em casa com os irmãos faz várias contas, todas certinhas, escreve bem um bilhete, deixa recados para a mãe e o pai”.

Bem, até ao médico o nosso Armando já foi, fez todos os testes possíveis, nada de anormal foi acusado; ele é são. Então, como será que só a professora Jurema não percebe isso? Já faz três anos que ele está quarta série...    

O caso do aluno descrito é bem próprio para que possamos discutir a questão da epistemologia e a filosofia da Educação, pois podemos perceber o quanto a visão inata de conhecimento está presente neste problema. De quem é a culpa, da sociedade? Da educadora e sua diretora que permite que esta professora se comporte desta forma? Na verdade, é objeto de muito questionamento; por exemplo, se esta professora estivesse em uma instituição que não fosse pública, estaria tendo este comportamento? Por que um tipo de comportamento no público e outro no privado?

Alguns dirão que a educadora não soube se comportar de uma maneira mais “moderna” de acolhimento, porém será que ela sabe que os fatores subjetivos também fazem parte do saber? Ainda mais se falando de uma criança, é possível observá-la de uma maneira tão fixista? Será que a criança nunca vai mudar? Que oportunidades de superação foram dadas para esta criança no processo de aprendizado? Será que ela vai ser vista sempre da mesma forma? Será que as coisas não mudam? Sempre será igual o tempo todo? O que se teima em não querer mudar, principalmente quando a realidade está em constante mudança?  Dialeticamente, podemos dizer que a configuração epistemológica reflete uma realidade social, quanto mais estamos próximos das camadas dirigentes, o papel do educador e a filosofia que este tomará para poder contextualizarem o seu trabalho estará próximo das mudanças (quer seja pela pressão produtiva, quer seja pelo acesso e preparação que o educador e educando disporão); observar uma perspectiva fixista, imutável, é condenar-se a estar fora do processo educativo em consonância com as elites dominantes. A não ser que o processo educativo ocorra em determinadas regiões e esteja voltado para certas camadas menos favorecidas da nossa sociedade..

Uma escolha epistemológica, por sua vez, deve, necessariamente, tomar como padrão uma teoria de conhecimento, isto é, mais uma vez a escolha reflete uma problemática social, pois interagir com a realidade demanda recursos para leituras, estruturas informatizadas de ponta etc. Desta forma fica claro que a questão apresentada no caso Armando, não é uma problemática simplesmente individualizada, muito pelo contrário, o que está por trás é social.

Não é à toa que os pensadores pós-modernos falam em domínio pela linguagem, pois esta passa hoje pela questão não só de um domínio de oratória e retórica, mas de instrumentos que possam torná-la real e acessível para a ocupação de empregos.

O interacionismo kantiano e a dialética hegeliana são aceitas, mas avançar para dialética materialista é quase impossível. Mesmo pensadores como Vygotsky, quando debatidos, são alijados da sua estrutura mais materialista dialética. Por exemplo, Vygotsky é classificado como “interacionista”, embora em toda a sua obra nada se fale sobre esse termo e muito menos o autor assim se classifique, Vygotsky se apresenta como marxista e justamente buscava uma saída materialista dialética para a psicologia e as teorias de aprendizado. Não podemos esquecer, quando traduzido para o inglês, parte da obra do pensador russo onde se explanava sobre a contribuição do materialismo dialético foi simplesmente cortada, um livro de mais de quatrocentas paginas, foi reduzido para menos de cento e oitenta paginas. Assim, podemos dizer que as relações entre epistemologia e filosofia da educação não podem deixar de colocar os aspectos sociais que contextualizam na realidade as práticas advindas destes dois campos.

A palavra trabalho tem um significado em latim “tripalium”, instrumento de tortura, um garrote utilizado pelos romanos que ao apertar a garganta leva a morte por asfixia. O homem se realiza pelo trabalho, esta é a sua essência, (Marx/Engels, Ideologia Alemã), porém, se este se aliena nas suas relações de trabalho, é possível entender como a escolha de uma episteme para balizar sua dinâmica de estudo sobre a realidade, é crucial, principalmente, se pensarmos em termos do trabalho em educação.

 O objetivo do trabalho é o de moldar e mudar a natureza, assim é o trabalho que modifica o mundo e o homem a si mesmo, mas não será possível com sua sistemática alienante. A realidade que se forma por meio do trabalho do homem sobre a natureza só é possível ser percebida se este homem romper com os vínculos da sua alienação. Tarefa possível? Nossa resposta é sim! O homem coletivamente pode romper as barreiras que lhe cercam, a filosofia e a escolha subjacente de uma epistemologia filosófica podem ser uma demonstração clara de uma proposta de rompimento.

Este é talvez o papel maior que a epistemologia e a filosofia da educação podem prestar aos homens contemporâneos. Enquanto a chamada Indústria Cultural predominar fazendo da Cultura uma mercadoria, dificilmente, ética e realidade social caminharão lado a lado. 

O trabalho deve readquirir o papel de irradiação de vida. Enquanto continuar sendo algo que apenas tritura e aliena o homem (tripalium), a sociedade não sentirá pela educação as transformações que são urgentes acontecer.