Montesquieu: a Lei, o Estado e a tripartição dos poderes
Charles Louis de Secondat, mais conhecido como Charles de Montesquieu por ter sido Barão de Montesquieu, nasceu em 18 de janeiro de 1689, no Castelo de La Brède, próximo a Bordeaux. Pertencente à nobreza, estudou nos melhores colégios da época na França, os quais seguiam a tendência iluminista, cujo paradigma era o elogio da razão como fonte única para a solução de todos os problemas, negando qualquer explicação que não fosse “iluminada” pela razão.Foi um estudioso do Direito Romano e das ciências naturais.
Num trabalho de seis anos (1740 a 1746), escreveu sua principal obra, publicada em 1748: “Do Espírito das Leis ou Das Relações que as Leis Devem ter com a Constituição de Cada Governo, Costumes, Clima, Religião, Comércio etc.”, obra esta que foi mesmo comparada a “A Política”, de Aristóteles e é considerada sua principal obra, na qual estabelece uma série de considerações a respeito da natureza das leis, de seus princípios e de suas funções, defendendo sempre a existência de leis naturais, mesmo na vida social, as quais devem ser complementadas por leis civis.[i] Nessa obra, fundamental, introduz o conceito de lei: “As leis, em seu significado mais amplo, são as relações necessárias que derivam da natureza das coisas; neste sentido, todos os seres possuem suas leis”.[ii] Para ele existem as leis da natureza, que são necessárias, e à qual todos os seres estão subordinados, inclusive o homem, mas que o homem, possuindo uma inteligência finita, mesmo diante da inteligência infinita de Deus, que criou a tudo e a tudo governa, pode se furtar a essas leis através da razão. E que para evitar que isso aconteça é que existem as leis positivas. Dessa forma, não nega que há relações de equidade e justiça antes da lei positiva, porém coloca que a lei positiva é a melhor forma de se impor limites, porque é estabelecida pelo homem, que é um ser racional e exerce a liberdade, escapando as leis da necessidade natural.
Ponto importante de seu livro são as considerações que ele faz sobre a República como forma de governo. A república, segundo ele, pode ser democrática, quando é o povo que está no poder soberano, ou aristocrática, se apenas uma parte do povo possui esse poder. Mas é importante destacar que esse poder do povo deve ser exercido apenas por meio de representação, sendo que o voto é a forma pela qual o cidadão manifesta sua vontade. A lei fundamental, nesse sistema, é, pois, aquela que regula o direito de votar e ser votado. Neste sentido, afirma: “Nele, é de fato tão importante regulamentar de que modo, por quem, para quem e sobre o que os sufrágios devem ser dados, quanto, numa monarquia, é importante saber quem é o monarca e de que maneira deve ele governar.”[iii]
Para Montesquieu, para que esse poder soberano do povo seja efetivo, é necessário que os magistrados e os senadores sejam eleitos pelo povo, a fim de que haja uma relação legítima de confiança entre os que representam e os que são representados. Admite, entretanto, a representação indireta, vez que aceita que um conselho eleito pelo povo indique outros membros do governo.
Montesquieu define liberdade como o direito de fazer tudo o que as leis permitem e de não fazer o que elas proíbem. Porque se um cidadão pudesse fazer o que quer e o que as leis proíbem, todos teriam igual direito e não haveria liberdade. Para ele, é uma experiência eterna que todo o homem que tem poder ser tentado a abusar dele até encontrar limites. Limites que devem ser estabelecidos pelas leis.Por isso, propõe que os governos também devem ter limites, para evitar o abuso de poder. Esses limites devem ser estabelecidos pela separação de poderes: o poder de legislar; o poder de administrar e o poder de julgar. Cada qual seria uma contra-força ao outro. Essa contraposição de poderes é que garantiria a liberdade dos cidadãos. O poder de julgar deve ser exercido por um corpo oriundo do próprio povo e ter caráter temporário: cidadãos julgando cidadãos. O poder legislativo deve ser desdobrado em dois corpos: o corpo dos representantes da nobreza e o corpo dos representantes dos cidadãos. E o poder de administrar deve caber a um monarca, pois um administra melhor do que muitos. Ele se inspirou no modelo de governo inglês.
No Brasil, a nossa Constituição Federal é inspirada por muitos dos conceitos de Montesquieu. Senão vejamos: “art. 1º. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 2º. São Poderes da União, independente e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário... Art. 5º.II. ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei...Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos... Art. 44. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal”.
Enfim, minha expectativa é que esse sistema, inspirado por Montesquieu há mais de duzentos e cinqüenta anos atrás, volte a ser fortalecido e que realmente se respeitem as leis, pois elas, “lato sensu”, representam a vontade de todos os cidadãos; e que se respeite a tripartição dos poderes, pois hoje vemos que, para cumprir determinadas “metas” estabelecidas pelo Fmi e Banco Mundial, há uma perda de soberania nacional e uma interferência muito grande do Executivo nos demais poderes para conseguir levar adiante a política econômica implantada. Enfraquece-se o Poder Legislativo mediante a constante adoção de medidas provisórias, que não passam de antemão pelo crivo dos representantes do povo para a elaboração das leis; e enfraquece-se o Poder Judiciário com as chamadas “decisões políticas”. E isso acaba provocando um descrédito muito grande do povo para com as autoridades políticas, o que é muito ruim para a democracia.
Luis Antonio da Silva
Bacharel em Direito – Unisantos
[i]Dados históricos extraídos dos livros: História da Filosofia, Batista Mondin, Vol. II, Edições Paulinas, 1981 e Montesquieu, Coleção Os Pensadores, Editor Victor Civita, 1985.
[ii] Montesquieu. De l’esprit des lois. Paris, Éditions Garnier Frères, 1973. t. I, p. 9. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira, in Os Clássicos da Política, Volume I, Francisco C. Weffort, Editora Ática, 2ª edição, 1991.
[iii] Charles de Montesquieu, Espírito das Leis, Coleção Os Pensadores, 3ª. Edição, 1985.