Entrevista
Fábio Alberti Cascino
Colaboração
José Sobreira de Barros Júnior
Fábio Alberti Cascino é Doutor e Mestre
em Educação pela PUC/SP; Pedagogo;
pesquisador do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Interdisciplinaridade
(GEPI/PUC); autor de vários livros e
conferenc i sta, espec ial i sta em
Educação Ambiental, Ecopedagogia,
Ecoturismo, Interdisciplinaridade e
Formação de Professores. Colaborador
do Instituto Paulo Freire(IPF).
1 - Fale um pouco do Fábio e sua vivência na educação.
Sou pedagogo de formação com mestrado e doutorado em educação (PUC-SP). Venho atuando em escolas privadas – principalmente na condição de coordenador pedagógico de Ensino Médio -, em escolas públicas – na condição de assessor e formador de educadores -, e como pesquisador e professor no Ensino Superior. Também me dedico a questões de Educação Ambiental.
2 - A escola esta "viva ou morta"?
A partir de minhas “andanças” em cerca de vinte e cinco anos de atividades em educação, sinto que o sistema educacional em geral, a escola em particular, está atravessando uma de suas mais sérias crises. E diferente de outros períodos, quando os problemas do sistema educacional estavam afeitos majoritariamente a distribuição de recursos, aos processos de formação de educadores, às edificações, aos processos de avaliação, às didáticas e metodologias dentre outras questões, hoje noto uma crise de sentido do fazer escolar. É, portanto, uma crise que questiona a atividade escolar como um todo.
A escola está morta? Sim, pois que a sua crise de sentido resulta de sua incapacidade de colocar-se em consonância, de problematizar e dar respostas às questões de nosso tempo. Dos anos 1950 para nossos dias, o ritmo das transformações sociais, políticas, científicas, culturais, tecnológicas são de tal grandeza e velocidade, que a escola que conhecemos, com seus ritmos e representações, com suas referências e processos, não tem conseguido acompanhar.
Está morta a escola que não dialoga com os jovens, que não os escuta. E como a escola não os escuta? Não os escuta, não dialoga quando segue a impor uniformes e patenteia uniformizações – aí compreendidos os sistemas privados de ensino vendidos como panacéia principalmente para o EFII e EM, bem como o exercício de poder que o chamado sistema público (nacional, estaduais e municipais) de ensino determina, fiscaliza e avalia o que todos e cada um pode e deve acessar e aprender, em direta relação com os tão facilmente aceitos “indicadores externos de resultados” -, quando não dá conta dos exercícios de diferenciação que hoje estão potencializados pelo uso das tecnologias da informação, quando não processa os novos ritmos de construção e difusão dos saberes nem percebe que a escola é um o lugar privilegiado de encontros e trocas (o relacional), quando não se apresenta à disposição para a criação e a inovação que esses mesmos encontros podem gerar.
Paradoxalmente, ela também está viva. Segue viva quando vemos educadores propondo novas formações, quando lemos trabalhos e pesquisas apontando rumos diferenciados para o fazer educacional, quando tomamos conhecimento de iniciativas no Brasil e no exterior na direção de novas articulações dos conhecimentos de sua produção e divulgação. A escola está viva quando sabemos que não somos poucos a buscar a sua recriação e a prática de uma educação não bancária, livre, diferente, criativa e autônoma. A escola está viva e morta.
A escola está encontrando dificuldades para lidar com essas novas conjunturas. Nós educadores não estamos nos preparando para enfrentar os diálogos demandados pela contemporaneidade. Estamos preparados para transmitir e processar informações sem considerar os recursos atualmente disponíveis – e ainda, não sabemos o que fazer para problematizar o que aí está sem cair na aceitação acrítica e passiva. Em síntese, não estamos sabendo nos recolocar frente aos novos papeis que nos são demandados. Talvez hoje já não precisemos mais informar; precisamos, sem dúvida, problematizar e relacionar.
3 - Morreu a escola ou o sistema?
Assim como são ineficientes hoje as fórmulas de avaliação que nos serviram no passado. Ao mesmo tempo em que estamos sendo demandados a nos re-formar, também precisamos re-formar nossos instrumentos de registro e avaliação de nossas tarefas educativas. A rede de conexões que podemos produzir atualmente, e que os jovens já estão elaborando cotidianamente, sugere o uso de instrumentos de verificação dessa produção de maneira diferente. Desta forma, como preservar o velho formato de provas e sistemas de avaliação quando o próprio conhecimento, sua produção e apropriação, já sofreu mudanças? A tarefa de repropor inéditos sistemas de mensuração da produção escolar é da responsabilidade dos educadores. Não esperemos que apareça o aluno ideal para dar as respostas que nós ainda achamos que são as que devem ser dadas.
4 - O que é diferente no educar de hoje, com suas experiências do passado?
Não me parece que a atual crise seja um tema recorrente. Ao mesmo tempo, a educação e escola sempre viveram crises. Porém, como já dissemos, hoje temos o sentido da educação e o do fazer escolar sendo colocados em questão. Trata-se de novos questionamentos relativos ao fazer e às finalidades desse fazer. Não nos esqueçamos que a educação é ato político e como tal esteve sempre articulada às “demandas” ideológicas sustentadoras de modelos de governança e produção – parâmetros da modernidade. Especialmente a partir da queda do muro de Berlim, a partir da metade dos anos 90, a flutuabilidade, a instabilidade, as incertezas (parâmetros da pós-modernidade) e, se quisermos adotar uma linguagem midiática, o fim das utopias desencadeou essa crise de sentido em inúmeras instituições. A escola é uma delas e essa diferença marca radicalmente a crise atual.
5 - Para você o desafio de educar é coletivo ou fruto de um esforço individual?
O desafio de educar é coletivo, é público, é comunitário. É também individual, particular de grupos e interesses, é comunitário e circunscrito em regiões, culturas, geografias e ambientes singulares.
6 - A atual onda de reclamações, lamentações em relação a indisciplina dos alunos, por parte dos educadores,revela o quê?
Muitos dos conflitos que vivemos com os jovens atualmente em nossas escolas podem derivar dessa nossa incapacidade dialogal. Por estarmos desaparelhados nos tornamos insuficientes. O desrespeito entre as partes pode ser a resultante dessa surdez.
7 - O aluno tirou zero de quem é a culpa? Só do aluno?
Culpa? Prefiro refletir sobre resultados, metas, recursos, capacidades, demandas, condições e finalidades. Não penso que casos de reprovação sejam resultados de questões circunscritas, específicas. Creio tratar-se sempre de questões complexas, multifacetadas, resultantes de múltiplos vetores intervenientes e que requerem respostas igualmente complexas e problematizadoras e não apenas vítimas e culpados.
8 - Como você observa as difereças entre escola pública e privada?
As questões que temos tratado neste espaço estão afeitas tanto ao sistema público quanto ao sistema privado de ensino, com a diferença que o segundo atende diretamente aos interesses de uma clientela ávida por resultados muitas vezes só espetaculares e controlados – assim como passar no vestibular e conquistar suposta segurança no mundo do trabalho.
9 - Vivemos na chamada era "pós-moderna da informação". Em sua opinião, educadores e escola estão preparados para esse novo período?
Como já foi dito, não acredito (aliás, não vejo) que estejamos coletivamente preparados para nos posicionar frente a todas as mudanças que estão velozmente ocorrendo no tempo atual. A escola é uma instituição, portanto necessariamente lenta, cautelosa, conservadora. Sua tarefa é a formação das novas gerações com base no ensinar o que é e como é o mundo. Esse mundo, para os que estão chegando, é velho. Esses recém chegados precisam e querem conhecer esse velho mundo para nele se instalar e manipulá-lo, transformá-lo. Essa relação entre o velho mundo, que continuamente está a se modificar e a informação dele para quem o ignora, mas que ao mesmo tempo vive nele é difícil, exigente e inevitável. Essa é a tarefa que nos cabe, considerando os ritmos que atualmente são impostos. Assim, essa tarefa hoje é imensa.
10 - A filosofia e a sociologia foram retomadas como matérias obrigatórias no nível médio, existem ganhos para o processo educativo com essas medidas?
Não acredito que a recolocação de disciplinas nos currículos das escolas de Ensino Médio, tais como a volta da sociologia e da filosofia, possam de per se promover grandes mudanças. Em minha opinião, retomando, caberia fazer valer a autonomia para que cada escola pudesse articular currículos que fossem o mais livre e aberto resultado do diálogo entre a própria escola, a comunidade, seu entorno e a realidade atual em nível micro e macro, para que o currículo pudesse ser de fato o apresentador e o esclarecedor das coisas da vida e do mundo para cada singular indivíduo e cada grupo de jovens e crianças. A escola não pode escapar à sua ampla tarefa de apresentar e explicar o mundo para as futuras gerações. Ao mesmo tempo, não pode deixar de lado sua tarefa política de estabelecer relações com o mundo, a partir da educação dos jovens, que rumem para a transformação desse mesmo mundo, para que nele reinem a justiça, a paz e o bem estar. É certo que disciplinas como sociologia e filosofia podem bem apresentar e ler esse mesmo mundo. Mas também o podem a música, o ensino religioso, a antropologia, a psicanálise, a psicologia, o cinema, o teatro, a educação do corpo, a educação para a sexualidade e os gêneros sem falar nas imensuráveis conexões, interfaces e diálogos entre tais conhecimentos...