Entrevista com Anderson Alves Esteves
Colaboração: Luiz Meirelles
1 - Qual a relação que você vê entre Sociologia e Filosofia? Dá pra distinguir essas áreas em suas pesquisas?
Há distinções: a Filosofia lida com um campo amplo de objetos, exerce reflexão contínua sobre todos eles e não adere dogmaticamente a métodos delimitados, a despeito de que, por muito tempo, os métodos canônicos do conhecimento foram arvorados dentro da própria Filosofia. A Sociologia é uma ciência moderna, relativamente muito nova e lida com aquilo que Durkheim circunscreveu como “fato social” [exterior, coercitivo e independente aos indivíduos], é empírica e, também por isso, de menor amplitude que a Filosofia. Tenho formação nas duas “disciplinas”, sou pesquisador e docente em ambas, e o que aprendi foi que, mais do que apartar os dois saberes em campos distintos e continuar a veicular a divisão acadêmica de institutos, departamentos, linhagens de pesquisas, revistas específicas, agências de fomento e reservas de mercado, os saberes ganham mais alcance quando se solidarizam e dialogam. Na Filosofia, Horkheimer, Adorno e Marcuse, por exemplo, aprofundaram bastante suas reflexões com a ajuda da Sociologia e das Ciências Sociais; na Sociologia, Durkheim, Weber, Norbert Elias, entre outros, alavancaram o disciplina a outro patamar com a ajuda da Filosofia e de outras ciências.
2 - Ainda é possível pensar uma proposta filosófica para o mundo atual a partir de uma ideia de bem, belo e justo?
O bem, o belo e o justo são questões filosóficas por excelência: Platão foi muito feliz ao argumentar que não importa o que é um bem ou exemplos de bens; antes, é preciso pensar o que é o bem para, em seguida, verificar se os exemplos estão contemplados. Em Mênon, o filósofo grego disse que quando se quer saber o que é uma abelha, de nada adianta apresentar um enxame de exemplos [particulares], antes, é preciso definir o objeto de maneira universal. O que é continua a ser a questão filosófica. Mas o próprio Platão estava em uma sociedade que convencionava considerar o bem, o belo e o justo como aquilo que era socialmente permitido e convencionado; o próprio filósofo tinha particularidades [grego, aristocrata, membro de uma certa família, discípulo de Sócrates, amante de Geometria etc.] que o fez tomar uma ideia como a ideia. Não precisamos repetir erros de pretensão ontológica. Sabemos que o bom, o belo e o justo são históricos e, portanto, plásticos, metamórficos, sempre são um bom, um belo e um justo. Penso que pesquisas que mostram que bem, belo e justo socialmente alcançáveis pelas forças produtivas de uma sociedade são de efetivação desejável quando alargam o grau de humanização para maiores contingentes. Ademais, quase sempre, as três ideias transcendem e contrariam os interesses de grupos particulares que comandam sociedades: o que um grupo chama de justo não é exatamente o que outro adota com os mesmos nomes e ideias. Voltamos ao conflito entre particular e universal, um e o.
3 - Depois de 2500 anos de processos educacionais, ainda é possível pensar em liberdade?
A pergunta relaciona educação à liberdade. O nexo é mesmo imprescindível. Platão escreveu A república e Rousseau O contrato social não apenas como livros de política, mas de educação. O escopo da educação não se circunscreve às instituições formais de ensino-aprendizagem; ele é, em verdade, um processo de socialização [primária e secundária] contínuo. Se este processo estiver voltado para a humanização, a educação liberta; do contrário, apenas adestra. O motorista que aprendeu parar diante da faixa para que o pedestre a atravesse contribui com a liberdade para o segundo, à medida que não obstaculiza a ultrapassagem, e para si mesmo, uma vez que não se tornou refém de suas pulsões, seus desejos, seu ego. Claro que há objeções: Nietzsche, Freud, Bourdieu, Althusser as fizeram. Precisaríamos de muito tempo para levar a questão adiante.
4 - Diante das polarizações que estamos vivendo, especialmente política e culturalmente, em nosso país, qual seria um possível papel para a Filosofia?
Polarizações são instituições tradicionais de sociedades de classe. Para limitar à questão ao âmbito brasileiro, houve aquela entre colonizadores x ameríndios e africanos submetidos a trabalho compulsório e há a atual contenda entre burgueses x proletários. Não se despolariza política e culturalmente um país sem a despolarização sociológica subjacente. Os conflitos de que tratamos com politicismo são apenas epifenômenos do que não fomos, há mais de cinco séculos, capazes de resolver. À Filosofia e às Ciências Sociais, cabem esta tarefa de derrubada dos mitos sociais para contribuir com o tratamento correto do problema. Cabe o que o CEFS faz em suas ações [cafés filosóficos, palestras, encontros, cursos, publicações]: em lugar de lisonjear o ego das pessoas, estimula-as a pensarem em suas vidas, no seu entorno e nas futuras gerações. A organização está de parabéns.
Anderson Alves Esteves é Doutor e Mestre em Filosofia pela PUCSP, Especialista em Sociologia pela FESPSP, Bacharel em Filosofia pela USP e em Ciências Sociais pela Fund Santo André.