O homem que não queria pular
“...todos os homens sadios já pensaram no próprio suicídio...»
Jairo de Sousa Melo
Mestre em Filosofia - PUCSP
Era fim de tarde, abri uma cerveja e, ainda relaxando, aproximei-me da sacada. O sol já rondava as bordas do mundo, iluminando as poucas nuvens que se esticavam no horizonte. Foi quando avistei a certa distância uma figura que se aproximava do parapeito no terraço do prédio mais adiante. Em princípio, achei que fosse um desses loucos que andam por aí hoje em dia desafiando a vida, saltando de um lado para o outro, praticando um desses esportes modernos criado pelos franceses, o “leparkur”.
Analisando melhor sua silhueta, porém, pude concluir rapidamente que não se tratava de uma pessoa na sua melhor forma.
O sujeito subiu na mureta do parapeito e olhou para baixo como um guarda cansado de sua vigília. (Mirou um ponto ou calculou um ângulo, talvez). Em seguida, antes que eu pudesse piscar, ele saltou. Tudo foi tão a-lu-ci-nan-te-men-te rápido, segundos...
Enquanto caia, seu corpo realizou uma pequena acrobacia no ar, girou; pude observar.
Não encarou a bruta dureza da terra, como desejava. Desejava? – Terá a intangível luz do céu obnubilado, ainda que por alguns segundos, as convicções “firmes” que o conduziram até àquele desfecho? Que terá sido das rígidas narrativas que possuía de si – passado, presente, futuro?
Pouco importam! Só o instante. O azul. A queda. Naquela tarde. Não!
O som de seu corpo se chocando contra o chão ecoou na galeria dos prédios vizinhos com um forte estampido.
Logo, aglomeraram-se em torno do cadáver inerte, curiosos. Para alguns daqueles que se aproximavam, conferir o resultado do 'desatino' era morbidamente necessário.
Não demorou muito e as vibrações no celular denunciavam, já circulam pelas redes sociais algumas fotos e vídeos da tragédia. Numa delas seu corpo jazia inerte no passeio pavimentado. Uma morte instantânea, certamente, conforme se podia notar.
Porém, seus olhos, que permaneceram perturbadoramente abertos, pareciam revelar algo estarrecedor. Neles, algo como uma expressão de arrependimento.
Patética sensação!
Talvez, em sua trajetória de auto-aniquilação, tivesse descoberto algo pelo qual valesse a pena ter vivido; mas que, no entanto, nunca lhe houvera ocorrido, até aquele momento. Algo como uma iluminação súbita. (Des)afortunada revelação: Ah, a vida! Apenas a vida enquanto experiência estética, ainda que absurda, bastava. Somente ela e nada mais. Nenhuma razão, nenhum discurso ou narrativa eram suficientes ou mesmo necessários.
Epifania infeliz.
Estarrecedora conclusão: Ah! Ainda é muito cedo...
O celular insistentemente vibrava, enquanto eu assistia nauseado o silêncio escandaloso dos seus olhos que fugaz buscavam o azul do céu.
Olha o mundo do alto; mas cuida, pois (co)fundem-se vertigem e desejo.