Nicolai Hartmann. A metafísica do conhecimento
Luiz Meirelles
Mestre em Filosofia PUCSP
Bel. em Direito Unisantos
Lic em Filosofia Unisantos
Lic em Letras Unisantos
Nicolai Hartmann nasceu em Riga, na Letônia, em 1882, e morreu em Gottingen, na Alemanha, em 1950.
Seus estudos começaram em Marburgo, onde chegou ao doutoramento e a partir de 1922 foi contratado como docente da universidade de mesmo nome. Em 1925, deixou aquela universidade, sucedido por Heidegger, e foi lecionar em Colonia, onde ficou até 1931, quando se mudou para Berlim, também convidado a lecionar na universidade. Somente em 1945 retirou-se de Berlim para Gottingen, onde permaneceu até sua morte, em 1950.
Embora tenha sido influenciado por pensadores como Husserl e Hegel, além de neokantianos, como Nartop, Cohen e Cassirer, N. Hartmann não se filiou a nenhum deles. Nem mesmo ao pensamento de Max Scheler no que diz respeito à axiologia, outra tese da qual se aproximou. Manteve sua independência intelectual e formou um pensamento próprio, que extrapassa à fenomenologia ou ao existencialismo.
Em relação à fenomenologia, N Hartmann apurou severas críticas, tendo afirmado que aquele método não apurava o verdadeiro ser, “on”. Portanto, não poderia se enquadrar como ontologia. O on somente pode ser alcançado mediante o estudo do ser enquanto ser, e não no sentido de ser. A fenomenologia restringe-se ao phainomenon, ao ente representado. O ente não se limita enquanto objeto, sua essência está além dessa representação. Portanto, o estudo do ser-aí do homem não tem como atingir a essência do ser homem.
O homem é um ser-no-mundo, impossibilitado de erigir sua existência isoladamente. Conduz um processo em constante atualização, motivo pelo qual o estudo do ser não pode se limitar ao sentido do ser, pois este se atualiza a cada instante. Hartmann propõe o estudo do Ser de forma que atinja uma validade perene. Propõe a superação das críticas kantianas e das alternativas apresentadas por Hegel nesse âmbito.
Nesse sentido, Hartmann defende que esse conhecimento deve ter início numa relação intencional pura, com a constatação do que ocorre na consciência. Num segundo momento, há, então, a identificação do problema posto (aporia). E num terceiro momento, a proposição de uma solução para o problema (teoria). Há um processo dialético evidente. É uma de suas influências da dialética hegeliana. Conhecer, pois, é compreender algo sempre anterior ao conhecimento, razão pela qual o objeto é sempre independente. É a metafísica do conhecimento de Hartmann.
A ontologia é a filosofia primeira. Escapa à fenomenologia. E para entender essa questão, Hartmann explica o ser ideal e o ser real.
O ser real é exterior ao homem. A fenomenologia restringe-se sempre ao ser ideal, conhecimento fundado no que existe no pensamento humano. São os entes matemáticos, as formas lógicas, numa linguagem kantiana, são o “a priori puro”. As formas ideais são as formas conhecidas a partir da redução fenomenológica pura, metafísica como afirma Hartmann. A partir daí é possível chegar-se ao ser real, conhecido, nesse processo intencional puro, por intermédio de atos emocionais transcendentes, os quais podem ser receptivos, quando impostos ao sujeito pela dureza do real; podem ser também prospectivos, aqueles que antecipam o futuro; e podem ser, ainda, espontâneos, quando ditados pela vontade e desejo. Deve-se distinguir, destarte, possibilidade de efetividade.
Modo fundamental é a efetividade. Aquilo que é. Mas também há a possibilidade que deriva dessa efetividade, ou seja, deriva de algo que já é. Nesse aspecto, temos o ser ideal, que diz respeito àquilo que não é contraditório com o ser real. É ideal porque a possibilidade está no plano mental. E temos também o próprio ser real. Este é o conjunto das condições necessárias para que seja real. Somente é real o ser cujas condições necessárias sejam efetivas. Daí, Hartmann afirma que aquilo que pode ser, efetivamente o é. Pois algo só pode ser no instante em que reúne todas as condições necessárias para que seja e, portanto, nesse instante, já o é.
Com essa visão, Hartmann constata quatro categorias fundamentais: físico, que diz respeito às coisas materiais; orgânico, no que tange às coisas vivas; psicológico, quanto aos seres pensantes; espiritual no sentido de inteligência.
Dessas categorias advêm outras tantas, como se observa, numa análise primeira, tais como o tempo, a causalidade e a reciprocidade. E esse processo de formação do mundo real é extremamente complexo. Hartmann não se reduz a uma explicação kantiana ou hegeliana. Reconhece a complexidade e afirma mesmo que essa estruturação categorial do mundo não há como ser construída, mas sim, descoberta enquanto surpresa constante. Essas categorias são efetivas segundo quatro leis fundamentais, do retorno, da variação, do novo e da distância.
Em função dessa dependência exposta, ainda há outras quatro leis complementares estruturais identificadas por Hartmann: da força; da autonomia; da matéria e da liberdade.
A lei da liberdade é de suma importância, porquanto por ela é que se dá toda a movimentação entre os estratos do mundo, entre as categorias, desde a mais abaixo até a mais acima. O homem, a sociedade e a história são formas que atravessam todos os quatro estratos (categorias) e dão também a sua forma.
Diante dessa responsabilidade do homem, surge a pergunta fundamental. A Ética. “Que se deve fazer?”. Desde a Grécia Antiga os filósofos se debruçam sobre essa questão, ensejando desde então as mais variadas éticas eudaimônicas e suas variações hedonistas.. Porém, também outras duas perguntas fundamentais devem ser feitas. “Que é bem?” “Em que se pode reconhecê-lo?”
Pra responder a essa questão, Hartmann apresenta sua crítica ao subjetivismo e propõe uma ética material nova, fundada nos valores objetivos das coisas. Para ele, o valor está sempre na coisa e não no homem. Os valores são, pois independentes do homem, a quem cabe descobrir o valor da coisa pelo conhecimento.
A insuficiência das éticas materiais anteriores, assim como as formais, fica evidente na obra de Kant. Mas Hartmann inova ao demonstrar que o conhecimento a priori kantiano não se pode confundir com o formalismo. A norma moral em conteúdo material, mas é independente, é perene, é, pois, a priori. A subjetividade não cria valores, apenas os identifica. Se é verdade que o homem vive num emaranhado de sensações, também é verdade que vive descobrindo valores, efetivando valores. Esses valores são o fato gerador das normas de conduta. E a forma de identificá-los com segurança é a redução fenomenológica metafísica, isto é, intencional, porém, pura.
O processo de descoberta dos valores se dá pela atuação do homem, que faz a conexão respectiva na história, por intermédio de sua categoria espiritual. Nesse sentido, Hartmann identifica três níveis espirituais. O espírito pessoal, que é individual. O espírito objetivo, que é supra-humano. O espírito objetivado, que diz respeito a efetivação, a conexão estabelecida pelo homem, ou ainda, à descoberta efetiva do valor. Assim, o dever ser, propriedade humana, deve ser estabelecido a partir de 05 estratos fundamentais.
Valor em si. Dever ser ideal. Dever ser atual. Dever fazer. Valor realizado.
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