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Coluna do Leitor: A Legitimidade das Regras de Ação

Elvyngthon Cayro Lamin Savignano

 Immanuel Kant afirmou que uma regra dada deve valer sempre para qualquer pessoa em qualquer ocasião quando fixou esta proposição: Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa sempre valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal.[1]

Portanto, uma regra é legítima quando pode ser livremente seguida e praticada por todos os agentes em qualquer momento e sob quaisquer condições. Por isso, Kant baseou-se na analogia com as leis naturais (notadamente, as Leis do Movimento da Mecânica Clássica) quando definiu a regra da típica da faculdade de julgar prática pura, como segue:

Pergunta a ti mesmo se poderias de bom grado considerar a ação, que te propões, como possível mediante a tua vontade, se ela devesse ocorrer segundo uma lei da natureza da qual tu mesmo fosses uma parte.[2]

Assim, uma máxima pessoal é boa e legítima se fosse bom que todos os agentes a adotassem como regra de ação. Contudo, a própria ação exige um exame mais atento. Doravante, devemos nos esforçar neste sentido. Por isso, segue um estudo da ação.

A ação sempre está se transcorrendo entre um par de momentos determinados. O transcurso é uma qualidade própria da ação: porque o transcorrer-se faz uma coisa qualquer efetivar-se como acontecimento de um momento determinado por uma certa ocorrência decorrente do momento anterior que possibilitou a determinação do momento seguinte.

            Quando a coisa está efetivada pela ocorrência decorrente do momento anterior: tal coisa está comparável ao seu momento anterior à efetivação. Tal comparação entre os momentos da efetivação determina-se pela possibilidade de algum estado certo configurar-se com algum estado dado ― de modo que a combinação de estados configurados entre si mesmos torne-se um estado novo.

            Esta combinação de estados efetiva-se pela introjeção mútua entre os estados que estão se configurando entre si mesmos ― de modo que as características semelhantes entre os estados se modifiquem mutuamente à proporção direta do grau de semelhança entre si mesmos. Assim as características mais parecidas entre os dois ou mais estados se tornam ainda mais parecidas. Contudo, as características totalmente díspares não se modificam mutuamente.

            Esta configuração diretamente proporcional à semelhança faz os estados configurados plasmarem-se entre si de modo a combinarem-se para tornarem-se um estado novo.

            Durante o transcurso de tal efetivação: as ações que estão acontecendo confluem-se unidas entre si mesmas à proporção direta do grau de semelhança de seus respectivos estados.

            Entrementes, as semelhanças entre os estados vetorizam-se como fatores que resultam na continuação do transcorrer-se das ações confluentes. Portanto a vetorização das características parecidas dos estados configurados tende a sustentar o transcurso das confluências práticas.

            Assim, os fatores que vetorizam a confluência prática constam cada qual em relação aos demais. Esta constância dos fatores vetoriais resulta das ações que participam da confluência prática. Esta persevera por si mesma à medida do grau de adequação das ações mútuas que co-participam da confluência prática. Então, os fatores vetoriais que conformam-se entre si mesmos de forma recíproca propiciam a continuidade da confluência prática. Portanto, a perseverança da constância da confluência prática é proporcional ao grau de conformação entre seus fatores vetoriais.

            Contudo, a separação entre as ações redunda na multiplicação das confluências práticas. A disparidade total entre as ações redundam em confluências práticas totalmente separadas.

            Não obstante, a mutualidade parcial entre as ações resulta em uma conformação parcial entre os fatores vetoriais. Também há alguma inadequação parcial entre as ações. Então os transcursos entre as diversas ações interagem entre si de modo parcialmente adequado — por isso, também interagem de modo parcialmente inadequado.

            Deste modo a constância parcial dentro do transcurso de ações resulta em uma perseverança que tende ao seu próprio perecimento. Esta tendência ao perecimento é inversamente proporcional ao grau de conformação entre as ações que participam do transcurso. Daí, qualquer interação entre ações cuja participação entre si mesmas sofre algum grau de inadequação — há de ser um transcurso perecível.

            Assim, os fatores vetoriais das confluências práticas permanecem transcorrendo-se enquanto eles mesmos entendem-se entre si mesmos como participações mútuas que correspondem um ao outro conforme cada fator vetorial funciona como relação aos demais fatores vetoriais à medida que estes fatores vetoriais estão unidos entre si mesmos.

            No entanto, a pessoa está no mundo. Assim a existência pessoal é partícipe da existência do mundo.

            Tal participação é possibilitada pelo corpo pessoal. A existência do corpo é condicionada pelo mundo porque o corpo é parte do mundo. Enquanto parte do mundo: o corpo padece a ação da efetividade de sua existência como parte do mundo. Entretanto, o corpo age no mundo enquanto existência que participa do mundo.

            Ora, a relação que se constitui pela ação do mundo sobre o corpo e pela ação do corpo no mundo: condiciona o corpo a visar a efetividade do mundo como termo da ação. Por visar a efetividade do mundo enquanto existência condicionada pela efetividade do mundo: o corpo constitui-se como efetividade do mundo mesmo.

            Desta forma, a efetividade do corpo pessoal conforma a vida pessoal em função da ação da efetividade do mundo que determina cada um de seus partícipes. Então, a participação efetiva da vida pessoal age como fator determinante de sua própria conformação à efetividade do mundo. Por isso a pessoa determina-se como agente intencional de sua própria participação no mundo. Portanto a pessoa é autônoma no âmbito de sua própria vida pessoal.

            A autonomia pessoal tem vigência sobre qualquer fator determinante que condiciona a vida pessoal através do corpo pessoal. Esta vigência é legitimada à medida do grau de perseverança dos fatores vetoriais das confluências práticas.

            Portanto, a pessoa é livre para determinar-se a seguir uma regra que se confirma continuamente à medida em que é praticada. Tal regra gera uma espiral de boas decisões práticas que poderiam produzir um mundo em que qualquer pessoa poderia viver feliz. Logo, tal regra de ação seria legítima.

 

Bibliografia

KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Tradução: Valério Rohden. São Paulo, Martins Fontes, 2002.

 

 

 

[1] KANT, Crítica da razão prática, p.51.

[2] KANT, Crítica da razão prática, p.110